Retornar
- Edicarla Correia de Sá
- 17 de out. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 15 de jul.
Retornar - verbo transitivo indireto Fazer voltar; continuar o que foi encerrado; restituir, deriva da junção do prefixo re-, e do verbo tornar. É preciso encontrar sentido no que se faz, caso contrário sua busca se tornará um incessante misto de dúvidas e nostalgias.
Este ano de 2024 começamos a Jornada Pedagógica das Escolas Estaduais da Bahia e a sensação de todos/as foi, infelizmente, exaustão. E explicarei o motivo, logo no final de to0dos os anos temos um período para refletir sobre o ano e as propostas para o ano seguinte, nesta oportunidade damos os primeiros passos para o planejamento da próxima jornada, este momento de estudo coletivo chamamos de pré-jornada. Após viagens a capital realizada por todos/as os coordenadores/as pedagógicos/as da Bahia à Salvador, custeados pela Secretaria de Educação, dias de palestras, estudos, posicionamento dos pares, a fim de encontrar consensos para a construção de projetos e de encaminhamentos para as escolas para o próximo ano letivo, não foi colocado em prática o que foi pensado no todo, junto a coletividade de profissionais da educação da rede estadual.
Uma série de formulários, de questionários, tudo encaminhado pela secretaria de educação um dia antes da jornada e para ser enviado no final de cada dia após aplicada as ações de “Mão na Massa” que não estavam dentro do que havia sido planejado. Cobrança para ser aplicado e sem falta enviar as respostas no mesmo dia encheu professores e coordenadores de ansiedade e cansaço logo no início do ano letivo, pós-férias escolares.
Enquanto coordenadora de educação especial no Centro de Apoio Pedagógico Edna Paixão-CAPE, Senhor do Bonfim, Bahia, realizamos as atividades propostas, os estudos que foram direcionados, e assim que acabou a jornada fui “emprestada” para o Centro de Educação Profissional Professor Paulo Batista Machado, onde atuei até o dia 19 de setembro de 2024.
Sair do CAPE foi um choque, não entendi o porquê das mudanças, mas buscando estar aberta, me coloquei a disposição para contribuir no que precisasse e certamente seria uma oportunidade para conhecer e aprender sobre a educação profissional integrada ao ensino médio.
E como é diferente, mexe com nossas estruturas e nossa capacidade de mobilidade emocional e intelectual realizar tantas mudanças (professora de Educação Infantil em São Francisco do Conde; Coordenação pedagógica no ensino médio em Filadélfia, Coordenação Pedagógica em Educação Especial no CAPE, Senhor do Bonfim e Educação Profissional).
Em cada lugar uma cultura, é preciso observar, conhecer as pessoas, se colocar no lugar de aprendiz, saber ouvir, e entender de que forma podemos colaborar sem causar estranheza, choque, ou, construir muros em vez de pontes. É preciso mobilizar-se a si antes de tudo, para mover as coisas ao seu redor.
Lidar com o diferente não é fácil, mexe com algo que é chamado de rigidez mental, é preciso enfrentar desafios e frustrar-se também, assim tornamos nossa mente capaz de ser flexível, ser resiliente quando recebemos um não, ou reprojetar quando nossos investimentos não saem como planejado de início.
Penso que uma infância com algumas privações e alguns fatos da minha história contribuíram (in)diretamente para isso – (re)começar. Alguns causos me vem a mente, mas uma em particular gostaria de mencionar: o isolamento no período pandêmico me fez desmoronar de um jeito que ainda não tinha vivenciado, não fui capaz de me recompor “sozinha”, tive que enfrentar os meus maiores traumas, tive que passar por uma avalanche de emoções que quase me sufocaram, mas foi nessa reviravolta que comecei o Diário de uma Pedagoga, eu me reinventei.
Re-comecei como ser humano, como profissional, desacelerei, aprendi a ouvir, especialmente a mim. Neste momento da vida, a tempestade me oportunizou um vislumbre de maturidade sobre o que realmente importava naquele momento. Com isto, digo que a minha passagem pelo CEEP Prof. Paulo Batista Machado foi leve, tranquila, com algumas balançadas para lembrar-me que nada é 100% montanha-russa ou um Éden.
Foi emocionante sentir a agitação dos sonhos adolescentes e ver-me neles, como uma adolescente cheia de todos aqueles sentimentos e dramas que só essa fase é capaz de nos dá. Mas preciso registrar que nunca senti tanta generosidade logo no primeiro dia de trabalho pela equipe gestora da escola, foi reconfortante e me deu segurança e auto estima para realizar o trabalho ao qual me foi confiado.
Conseguimos montar um clube de leitura na escola, com direito a café na biblioteca e ótimas discussões tanto presencial, quanto virtualmente, com trocas de informações sobre outras literaturas que os alunos liam concomitante a leitura do clube (esta que era a mesma para todos). A abertura dos jogos aconteceu de forma brilhante, os líderes de classe obtiveram um lindo destaque no encontro territorial de líderes estudantis (a maior delegação do encontro) e os projetos estruturantes foi grande e incrível , como tem que ser pelo porte do CEEP.
Um colégio com cerca de 1500 alunos, uma grande equipe de professores, oportuniza a comunidade escolar os seguintes cursos técnicos profissionais: Nutrição e Dietética, Meio Ambiente, Análises Clínicas, Biotecnologia e Administração. Uma imensa equipe de profissionais, vale ressaltar o bom acolhimento que me foi prestado desde o primeiro dia por todos os profissionais da escola.
Recuso-me a acreditar que um adolescente não tenha nenhuma aspiração sequer, que não deseje se destacar por suas qualidades, que não queira algo bom para sua vida, e quando se é um líder de classe, o/a/e estudante assume essa função por sentir em si esse traço em sua personalidade, de liderança, e deseja desenvolvê-la, aprimorá-la. Penso que acreditar no potencial do outro seja o primeiro passo.
Conheci tantas histórias incríveis caminhando pelos corredores, conversando com os/as/es estudantes. Foram mais de 60 textos literários escritos para o festival estudantil (projetos estruturantes), álbuns fotográficos, mais de 40 desenhos e pinturas em telas, trabalhos belíssimos, canções, teatro, dança, vídeos... Os estudantes expressaram-se e foram tão criativos, e como são crianças muitas vezes tentando ser adultos, precisam de direcionamento.
A saúde mental do adolescente está cada vez mais frágil... ansiedade e depressão são mais comuns do que pensamos nesta fase, em todas as escolas do Brasil professores enfrentam o desânimo, a apatia, a ansiedade, a depressão e as drogas dentro da sala de aula. Como sentar no coletivo entre os pares, colegas de profissão, para planejar ações que provoquem mudanças positivas e efetivas para melhoria do ensino e da aprendizagem desses estudantes que não conseguem avançar no ensino? Que, muitas vezes, chegam no ensino médio com uma defasagem de ensino e aprendizagem gigantescas.
Se em um curto período de ano letivo o professor precisa projetar uma quantidade imensa de ações pontuais educativas referentes a datas comemorativas? Um ano letivo com 200 dias e 800 horas divididos em 3 unidades letivas acabam sendo resumidas em uma ou duas semanas de aula apenas, sendo que há disciplinas que na grade curricular está apenas para ser ministrada 1 única vez por semana!
Temos que encontrar o equilíbrio entre uma educação integral que veja o ser humano em sua totalidade e dê vazão a isso, e entre construir no coletivo da sala de aula os conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade.
E como não seria diferente, época de divulgação dos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, seria impossível não perceber o olhar de injustiça presente nos rostos e nas falas ao ver que, diante de tantos desafios que são enfrentados na sala de aula, a gratificação de estímulo por aperfeiçoamento profissional e à melhoria de ensino (GEAPME) está condicionada ao alcance das metas anuais do IDEB. A GEAPME é uma gratificação que desagua em um percentual, um acréscimo, no salário do professor ou coordenador pedagógico a fim de estimular o profissional ao seu aperfeiçoamento.
O art. 7º, cap III, do dec nº22.047 de 17 de maio de 2023 (regulamenta a GEAPME), diz que: “a melhoria do desempenho escolar será aferida com base no alcance da meta anual de desempenho fixada para a unidade de lotação do professor ou do coordenador pedagógico, por ato da secretaria de educação”.
Muitas escolas tem feitos inúmeros esforços para melhoria do ensino e da aprendizagem, mas sentem-se engessados e de 'mãos atadas' quando se trata da redução da carga horária de aula ministradas DEDICADAS ao que foi planejado para cada disciplina, pois deve-se dar conta dos eventos, projetos e ações que ocorrem durante o ano.
“eu queria saber quando vamos sentar aqui para falar da apatia dos estudantes na sala de aula”
“os estudantes estão cada vez mais ansiosos”
“parece que estou dando aula no ensino remoto, a diferença é que pela tela do computador você não sabia se o aluno está ali do outro lado ou não, e na sala de aula o aluno está, mas a mente não”
“o uso de fones de ouvido sem fios é um desafio ainda maior, se tiverem cabelo comprido, capuz, boné, você nem sabe se estão usando fones ou não, se estão ouvindo o professor ou não”
“melhor ficar no celular ou com fones ouvindo música do que atrapalhar a aula”
-Algumas falas de professores/as.
Atualmente no CAPE, retornei ao meu vínculo de origem na Educação Especial, voltar... Retornar... Recomeçar... Após um período de licença maternidade... (sobre este tema é preciso um tempo dedicado exclusivamente para falar sobre este assunto).
No mais, obrigada pela dedicação a esta leitura e compartilhar suas impressões, até a próxima escrita do Diário de uma Pedagoga.

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