CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE PROFISSIONAL NA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
- Edicarla Correia de Sá
- 4 de jun.
- 10 min de leitura
Quando se diz obrigado, se dizem muitas coisas mais,
que vêm de muito longe e de muito perto, de tão longe como a origem do indivíduo humano,
de tão perto como o secreto pulsar do coração.
(Pablo Neruda)
Agradecer diz sobre muitas coisas, e sou grata por hoje estar na educação assumindo um papel desafiador - a coordenação pedagógica do Centro de Apoio Pedagógico Edna Paixão, em Senhor do Bonfim, Núcleo Territorial de Educação-NTE. Por muitas vezes nos pegamos ‘respirando fundo’ diante dos desafios, mas se não fossem eles, a nossa prática se esvaziaria de crescimento profissional, são as ondas, a maré cheia e as tempestades que fazem os ‘bons marinheiros’, portanto, não seria em um mar calmo que me constituiria coordenadora pedagógica.
Eu sinto uma gratidão que aflora desde os tempos de escola, que volta ao momento em que recebi minha carta do Ministério da Educação e Cultura-MEC para avisar-me que havia sido comtemplada com uma bolsa de estudos para um curso de graduação no curso bacharelado em serviço social e no ano seguinte com a aprovação no curso de licenciatura em pedagogia.
Uma gratidão que alimenta minha resiliência em tempos difíceis e me ajuda a passar pelos dissabores do cotidiano da escola. Pois nem tudo são flores, mas é refletindo cada experiência que crescemos e temos a oportunidade de amadurecer nossa própria identidade profissional e ver além do problema para buscar soluções possíveis considerando nossas possibilidades.
Sou Edicarla Correia de Sá, e sou grata por fazer parte da rede pública estadual de ensino da Bahia, cheguei na rede em 2019, vindo de uma experiência de professora de educação infantil, carregada de uma outra identidade, e tudo agora deveria mudar, o jeito de falar, de ser e de tratar no outro, pois nesse momento eram adolescentes, ensino médio, ao chegar a rede tive a oportunidade de assumir a coordenação pedagógica no Col. Est. Cecentino Pereira Maia, no município de Filadélfia, onde fiquei três anos.
A coordenação pedagógica foi desafiadora por ser minha primeira experiência nessa função, o primeiro ano foi realmente um “estágio” por ser de aprendizado e apropriação da cultura escolar, entendia a importância da formação e cobrança da gestão para que os momentos de formação interna e os projetos da escola obtivessem êxito, e isso colaborou para que tivesse um olhar cada vez mais atento a estas questões.
O coordenador pedagógico é este profissional que constrói pontes entre todos os agentes sociais que convivem dentro desta comunidade escolar: profissionais da educação – estudantes – família – comunidade local. O que torna complexo, dinâmico e intenso as idas e vindas do fazer pedagógico deste profissional.
A transição de identidade de professora de educação infantil à coordenação pedagógica nos diz muito sobre esta construção identitária, como ela é moldada pelo contexto social, pela cultura, pelas experiências sociais, políticas e econômicas. Algo que colaborou diretamente para este princípio foi a formação ofertada pela secretaria de educação da Bahia através do Instituto Anísio Teixeira, no ano que ingressei na rede, um divisor de águas, uma formação focada no papel do coordenador pedagógico, no desenvolvimento de sua agenda profissional em parceria com a gestão escolar, bem como a importância da formação continuada no espaço escolar, visto que este é um espaço privilegiado de pesquisa, formação e intervenção.
Durante este primeiro ano, no coletivo, compreendi o tripé que sustenta a atuação do coordenador pedagógico: currículo - formação continuada – pesquisa. O coordenador pedagógico desempenha um papel fundamental na elaboração, implementação e avaliação do currículo escolar. Ele atua como um mediador entre as diretrizes curriculares e a prática cotidiana da escola, adaptando os conteúdos às necessidades dos alunos e da comunidade escolar. O coordenador pedagógico também é responsável por garantir a formação continuada da equipe de professores, promovendo a reflexão e a inovação nas práticas pedagógicas. A pesquisa perpassa todos esses eventos, visto que a escola é este chão rico em ações e experiências que podem, a partir da curiosidade, se tornar em objeto de pesquisa.
Mas a pesquisa na escola vai além de estar por trás, vai além de trazer à tona objetos de pesquisa, parece que estamos falando apenas do ambiente acadêmico superior, entretanto, o olhar atento de um professor pesquisa na escola está também no momento em que o mesmo ao refletir sua atuação constrói intervenções possíveis para transformar sua realidade. A busca por novas metodologias, na adaptação curricular para tornar seu conteúdo acessível para todos, e na tentativa de elaborar sua prática a partir de um Desenho Universal. A pesquisa caminha de mãos dada com a formação continuada.
Para Dassoler e Lima (2000), a formação continuada em serviço associa-se ao processo de melhoria das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores em sua rotina de trabalho e em seu cotidiano escolar. Refletir, pensar sobre, pesquisar... Fortalece o ato de educar em diversos aspectos, considera os vários espaços da escola e suas distintas pedagogias.
Por meio da formação e desenvolvimento contínuo dentro do espaço escolar toda a escola passa a investir em si como lócus privilegiado de aprendizagem e transformação, visto é que através da contínua reflexão que desenvolve-se processos inovadores, pois esta ação é totalmente revestida pelo ato de pesquisar. Mas, para muitos coordenadores, e inclusive para mim, foi desafiador construir este ambiente de formação coletiva e colaborativa contínuas, considerando que há muitos anos na rede pública estadual de ensino muitas escolas nunca tiveram a presença deste profissional articulador das aprendizagens. Foi preciso lidar com este ‘novo’ que era eu, e foi com esta nova identidade profissional que assumia.
Muitas questões envolvem os desafios da formação continuada em serviço, na escola, que fazem parte do cotidiano de muitos/as professores/as, como atuar em escolas diferentes, às vezes em municípios diferentes, ter dois ou até três vínculos empregatícios, acumulando uma carga horária de 60 horas. Além de muitas professoras, como é o meu caso, assumir tripla jornada de trabalho, escola, trabalho doméstico e maternidade. Ainda assim conseguir alcançar o nível de mestra em Educação e Diversidade pelo programa de pós-graduação Educação e Diversidade da UNEB.
Mas devemos nos ater a reforçar, promover e proteger este espaço formativo interno que são as Atividades complementares-ACs, pois é um direito conquistado a partir das lutas de professores/as por uma educação pensante, atuante e transformadora, visa a garantia e o respeito por horas de planejamento e pesquisa necessários para a construção de aulas baseadas em práticas inovadoras, significativas e contextualizadas para os estudantes.
Neste sentido, mesmo diante dos desafios diários, posso dizer que o apoio da gestão escolar, seja com recursos materiais, equipamentos para produção e pesquisa, seja com o próprio ato de acompanhar e enfatizar para todos nós a importância da formação contínua no espaço escolar foi crucial, acolhedor e afetivo. Pois me sentia amparada, respaldada pelo apoio, confiança e, posso dizer, amizade, que construir no Col. Est. Cecentino Pereira Maia.
É neste momento de formação continuada docente que o/a coordenador/a pedagógico/a estimula o protagonismo docente a melhorar suas práticas, por meio da observação e da pesquisa, pois é o coordenador que está atento a dinamicidade dos contextos, saberes e necessidades do território para que as ações formativas estejam alinhadas com o currículo, com as práticas educativas e metas educacionais.
A formação continuada deve estar centrada no apoio docente e com foco nas aprendizagens. Acredito que nestes três ano que estive a frente da coordenação pedagógica do Col. Est. Cencentino Pereira Maia, o que mais marcou meu processo de construção identitária foi o forte vínculo com a gestão escolar. Uma parceria alicerçada em confiança, trocas, autonomia, verdade e afeto, e quando falo de afeto não é afeto no sentido mais sentimental da palavra, mas também como verbo, afetar, tocar o outro, permitir-se ensinar e aprender, tenho consciência de que minha identidade foi transpassada por trocas afetivas e afetuosas entre toda a equipe que compõe esta escola, com toda a comunidade escolar.
Após três anos na rede fui convidada pela então diretora do Núcleo Territorial de Educação-NTE 25, Ana Raquel Conceição a está na minha cidade de residência, em Senhor do Bonfim, poderia escolher entre duas instituições da rede pública estadual, o Col. Est. Modelo Luís Eduardo Magalhães ou o Instituto psicopedagógico de Bonfim (atual Centro de Apoio Pedagógico Especializado-CAPE Edna Paixão).
Haviam dois motivos por ter escolhido o CAPE, primeiro por que uma colega de profissão desejava ir para o Col. Modelo, e o outro por desejar passar por esta nova experiência que é coordenar o Instituto, este sendo referência em educação especial e inclusiva em nosso território, e ainda não havia atuado diretamente na educação especial.
No CAPE busquei estudar o Projeto Político Pedagógico da instituição, escutar e aprender com todos os profissionais sobre o desenrolar das diversas atividades pedagógicas que acontecem no dia a dia da cultura escolar. Manter-me aberta as sugestões e críticas, bem como às relações sociais.
O maior desafio nesta instituição foi o desenvolvimento de um trabalho em parceria com a gestão escolar, algo que ainda está em andamento, mas com progressos positivos, vivi experiências que afetaram a minha identidade profissional de forma marcante, tanto positiva quanto negativamente, me questionei se eu era um tipo de profissional que não sabia conduzir uma formação, se eu não falava ou não me fazia entender de forma clara, coerente, duvidei de minha capacidade em produzir profissionalmente.
O que me faz pensar sobre o quanto é importante estarmos atentos a não abrir mão de ocupar os espaços profissionalmente, executando o nosso papel, não se anular, afirmar quem somos, pois até então eu tinha claro que era uma profissional que sabia ouvir, estava aberta a aprender, crescer e sempre busquei uma formação continuada focada na educação.
Ser professor, e ser professor coordenador pedagógico, exige atenção cuidadosa, estamos cuidando do outro, de um todo, articulando processos educativos tendo em vista as demandas sociais e culturais de um território, isto significa que devemos considerar a dinamicidade da vida e a reflexão constante como fio condutor deste tear profissional.
As tessituras formativas devem se constituir transdisciplinarmente, para que saibamos articular os diferentes saberes de forma significativa e contextualizada, de completude e não de fragmentação, de participação, de inclusão total e plena e não de isolacionismos. Algo desafiador, mas ao mesmo tempo, algo para se esperançar.
As relações interpessoais tem sido o maior desafio neste momento, mas nada que com doses de escuta atenta, respeito, saber argumentar sobre o que acreditamos tem sido utilizado como estratégias e tem dado resultado positivos, além da parceira com os pares coordenadores/as pedagógicos/as do NTE-25 e o setor da CODEB/NTE-25 (coordenação pedagógica territorial).
A formação continuada é também um ponto de apoio, é por meio da reflexão constante, de uma estratégia de estudos que nos nutrimos, nos instrumentalizamos para poder nos empoderar e afirmar nossa liderança pedagógica. Tenho aprendido com as mudanças dentro da instituição, com as professoras, funcionários e com a gestão escolar. Busco na resiliência aceitar as etapas de crescimento, construtores identitários.
No ano de 2024 tive uma passagem pelo Centro Estadual de Educação Profissional Paulo Batista Machado, localizado também em Senhor do Bonfim, a pedido do NTE-25, iniciei minhas atividades nesta instituição que atende cerca de 1500 estudantes, pouco mais de 70 professores/as e oportuniza a comunidades ensino médio integrado ao ensino profissionalizante. Fiquei apenas o ano letivo de 2024.
Foi uma experiência rica em que considero ter recuperado minha autoestima profissional e desenvolvido minhas habilidades profissionais enquanto coordenadora pedagógica, mobilizando os estudantes com foco no protagonismo e liderança estudantil, colaborando com a formação continuada, incentivo ao desenvolvimento dos projetos artísticos estruturantes do colégio; parcerias institucionais foram desenvolvidas e por meio dela conseguimos publicar dois livros literários autoriais de estudantes. O acolhimento, o respaldo, orientação e vínculo afetivo entre a gestão escolar para comigo foi algo que aqueceu meu coração. Foi um ano intenso, mas de muito aprendizado e sou grata por esta oportunidade, mesmo que tenha sido passageira, a pedido novamente do NTE-25 eu retornei para o Instituto Psicopedagógico de Bonfim-IPPB.
Atualmente o IPPB se chama Centro de Apoio Pedagógico Especializado Edna Paixão-CAPE, como já mencionado, as escolas de educação especial no Brasil por determinação legal foram fechadas, a Bahia no entanto, reconfigurou os institutos que ofereciam atendimento educacional especializado (AEE) em formato de escola, transformou-os em centro de apoio pedagógico especializado.
Na prática, os institutos ofertavam o AEE em pequenos grupos de até 10 estudantes de segunda a sexta, com duração de 4 horas, não havia seriação e não havia terminalidade, já que se trata de AEE, mas considerada escola, pois não havia a obrigatoriedade de as pessoas com deficiência cursarem a escola regular e a escola de educação especial concomitante, em turnos opostos. A escola, por meio da pedagogia de projetos, desenvolvia experiências concretas, coletivas e inclusivas aos estudantes com deficiências.
Atualmente os centros oferecem o AEE, com 50 minutos cada atendimento, individual ou em grupos de até 3 estudantes, e é obrigatório que este esteja matriculado e frequentando a escola regular.
A escola de educação especial proporcionava o acolhimento, integração e a inclusão, era naquela escola que eles encenavam peças teatrais, dançavam reisado, quadrilha junina, cantavam em karaokê, jogavam vôlei, futebol, cuidavam do jardim, plantavam e colhiam na horta, paqueravam também, hoje eles quase não se encontram, estas experiências eles devem vivenciar com todas as pessoas na escola regular.
Espero que a inclusão aconteça de fato, de forma plena para todos os estudantes, acompanhar a transição de IPPB para CAPE tem sido uma experiência rica, estamos reformulando todo o projeto político pedagógico da instituição, praticamente tudo mudou, novas formas para acompanhar o desenvolvimento, novos instrumentos para atender as famílias, instrumentos para ofertar o serviço de itinerância, que é acompanhar o desenvolvimento destes estudantes na escola regular oferecendo suporte pedagógico a professores, coordenadores/as pedagógicos/as, gestores escolares e profissionais de apoio.
Além disso, temos que ofertar a comunidade cursos formativos de temas da educação especial na perspectiva da educação inclusiva, os desafios são novos, maiores, e isso me instiga a ser melhor, a buscar estudar e me profissionalizar cada vez mais, já tinha uma especialização em saúde mental, mas senti a necessidade de complementar com uma formação a nível de pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado justamente, além de mestrado em Educação e Diversidade, pela Universidade do Estado da Bahia.
Estar neste lugar de aprendiz é assumir enquanto sujeito em construção e construtor histórico com potencial criativo e crítico, além de ter a consciência de que nunca estamos prontos, pois a realidade é dinâmica, os contextos exigem uma pedagogia do cuidado, do afeto e dialética, para que assim possamos desenvolver uma atuação em coordenação pedagógica na rede estadual pública de ensino de forma ética, transformadora e alerta as demandas da sociedade.
Percebe-se que a construção identitária não é algo finalístico, mas cheio de reveses, um devir (auto)formativo, pesquisa e observação de si com o outro, dinâmico como a vida. Finalizo este texto como iniciei, agradecendo pelas oportunidades, em especial por estar na escola pública, vim dela e devolver o que aprendi com meus professores tem sido recompensador, trilhar por caminhos que nunca são planos não é fácil, mas se estarmos atentos as paisagens pelo caminho podemos aprender com as estações da natureza.

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