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(REPOST REVISTA ESTUDOS IAT) ENSINO REMOTO:

CONTEXTOS E INTERLOCUÇÕES NA EDUCAÇÃO BÁSICA BAIANA APARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE

Texto publicado e disponível em: http://estudosiat.sec.ba.gov.br/


Por: Cecilia Cabral Mascarenhas de Santana e Edicarla Correia de Sá

Artigo publicado na Revista Estudos IAT (Instituto Anísio Teixeira), 2021, Edição Especial Paulo Freire


RESUMO: O texto em questão tem como premissa, refletir sobre o atual cenário educacional que temos vivenciado e os processos formativos constituídos a partir do ensino remoto na rede pública de ensino, devido a pandemia do coronavírus. Neste sentido, são apresentados dados obtidos a partir da realização de atividade diagnóstica com os estudantes do Ensino Médio do Colégio Estadual Cecentino Pereira Maia, situado no município de Filadélfia/BA e pertencente ao Piemonte Norte do Itapicuru. A realização da pesquisa se deu a partir da aplicação do formulário do google forms, tendo o WhatsApp como dispositivo de construção de dados e mobilizador para estabelecer a comunicação com os estudantes. A metodologia aplicada partiu do procedimento de análise textual discursiva, que em meio aos dados, levantou categorias e tópicos de estudo que foram refletidos ao longo do trabalho, tendo como proposta contextualizar o Ensino Remoto emergencial, trazendo características do planejamento e da execução das atividades para retorno às aulas, assim como, refletir sobre a influência da pedagogia freiriana na educação nos tempos atuais.

Palavras-chave: Pandemia. Educação. Paulo Freire. Processos Educativos.


ABSTRACT: The text in question is premised on reflecting on the current educational scenario we have been experiencing and the training processes constituted from remote teaching in public schools, due to the Coronavirus pandemic. In this sense, quantitative data obtained from performing a diagnostic activity with high school students at Colégio Estadual Cecentino Pereira Maia, located in the city of Filadélfia/BA and belonging to Piemonte Norte do Itapicuru, are presented. The research was carried out through the application of the google forms form, using WhatsApp as a data construction device and mobilizer to establish communication with students. The methodology applied started from the discursive textual analysis procedure, which amid the data, raised categories and topics of study that were reflected throughout the work, with the proposal to contextualize the emergency Remote Teaching, bringing characteristics of the planning and execution of activities to return to classes, as well as reflect on the influence of Freire's pedagogy on education in current times.

Keywords: Pandemic. Education. Paulo Freire. Educational Processes


INTRODUÇÃO


“É preciso que a educação esteja - em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos - adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo [...] (FREIRE, 2006, p. 45)

Pensar a educação como o papel da escola nos remete a epígrafe de Paulo Freire, quando nos tenciona a refletir sobre a função dos processos educativos realizados na escola, assim como do conhecimento nela produzido cotidianamente. É necessário o constante refletir e esperançar sobre a escola e os sujeitos que a compõe, bem como pessoas, famílias e instituições que a rodeiam.

Neste sentido, buscamos repensar sobre os aspectos educativos que tratam sobre o acolhimento, o diagnóstico e aspectos essenciais no desenvolvimento para as atividades pedagógicas, que implicam direta e indiretamente na vida escolar. O texto em tela, portanto, tem como premissa, pensar sobre o cenário educacional brasileiro e os processos formativos que têm se constituído a partir de uma educação remota, tendo em vista a pandemia.

Estamos ainda sentindo o ano de 2020, marcado por grandes desafios e transformações, apesar da transição de calendário, temos a sensação em muitos sentidos, ficamos ‘parados’, em outros, retrocedemos, no entanto, vale reconhecer pontos positivos e avanços que foram extraídos das vivências de uma educação realizada em período de quarentena.

A pandemia do novo corona vírus surpreendeu a todos e nos impôs como primeiro aspecto desafiador, o distanciamento social. Fomos mobilizados pelo medo da contaminação, pela disseminação do vírus e por novos desafios que emergiram, fazendo com que estabelecêssemos mecanismos para manter nossa saúde física e mental, nos mobilizando a ter uma postura crítica e reflexiva diante da situação vivenciada.

O distanciamento social paralisou inúmeras atividades profissionais, provocando um enorme impacto na vida das pessoas e em vários setores da sociedade, a exemplo da educação, quando escolas foram obrigadas a fechar suas portas, suspender as aulas e manter alunos e professores em seus lares. Tudo aconteceu de forma muito abrupta, não permitindo que fosse estruturado um plano de atendimento que contemplasse os processos educativos.

Neste sentido, é necessário refletir sobre as condições e os mecanismos evidenciados no setor educacional, principalmente no tocante aos processos de ensino e de aprendizagem viabilizados nas escolas públicas de forma emergencial neste contexto atual que todos experenciamos.

Frente ao cenário aos desafios atuais impostos, é apresentada uma realidade preocupante que chama a atenção de todos os setores da sociedade, mas o efeito nos sistemas escolares, leva-nos a refletir sobre ações e práticas docentes presente nos atuais contextos da sala de aula e como elas se evidenciaram no ensino remoto.

Isso nos faz levantar questões relevantes em aspectos que envolvem o quê? Como? Quando? Onde? E, para que(m) estamos ensinando? Em que condições os alunos têm vivenciado o ensino remoto emergencial? Como tem se evidenciado as interações dos alunos e professores em plataformas virtuais? Que metodologias e ferramentas tecnológicas têm sido utilizadas? Esses e outros questionamentos têm apontado caminhos para reflexões, ações e possíveis intervenções.

Este trabalho vem apresentar a comunidade uma análise a partir de dados obtidos de uma ‘Atividade diagnóstica’, realizada na primeira semana de retorno das aulas remotas no Estado da Bahia. A atividade foi aplicada para todos os estudantes do Colégio Estadual Cecentino Pereira Maia, situado no município de Filadélfia, interior norte baiano. O colégio considerado de grande porte por ter um quantitativo de mais de 700 alunos matriculados em sua instituição.

A atividade utilizou o google forms, ferramenta do google para criação de formulários, um aplicativo de gerenciamento de pesquisas. Este foi lançado em grupos de WhatsApp criado no ano de 2020 para facilitar e agilizar a comunicação com os estudantes. O diagnóstico concentrou-se em perceber as expectativas dos alunos sobre o ensino remoto, o retorno às aulas, indicações de aplicativos que poderiam ser utilizados para facilitar o processo de aprendizagem-ensino, bem como ferramentas que eles dispunham para estudarem.

Buscamos analisar como se deu este processo inicial de retorno às aulas, tendo como amostra os dados do diagnóstico aplicado aos estudantes da rede pública estadual do colégio mencionado a partir da metodologia Análise Descritiva Crítica, que busca em meio aos dados levantar categorias que venham tornar-se tópicos de estudo a ser refletido ao longo do trabalho.

O trabalho propõe-se em contextualizar, portanto, os seguintes pontos: o Ensino Remoto emergencial, trazendo características do planejamento e a execução das atividades para retorno às aulas; os dados diagnósticos levantados no Colégio Estadual Cecentino Pereira Maia; e refletir sobre a Pedagogia Freiriana na educação nos tempos atuais.

Como principais autores temos Hooks (2017), Freire (1967), Lapa (2017), Porto, Oliveira e Chagas (2017), Morin (2020), dentre outros, na perspectiva de elencar pressupostos que demonstrem que é possível fazer uma educação mais humana e transformadora, e em tempos de pandemia. Não propondo conclusões, mas aproximações e linhas de reflexão que possam servir de fio condutor para práticas educativas para a liberdade.


2. Retratos e Interlocuções iniciais


Movo-me na esperança enquanto luto e se luto com esperança, espero” (FREIRE, 1979, p. 47)

Em março de 2020, a Bahia determinou a suspensão das aulas em escolas públicas e privadas. De imediato as escolas da rede privada passaram a utilizar como estratégia o uso de ferramentas digitais, vídeo aulas, aplicativos de videoconferência entre outros mecanismos para estabelecer a comunicação com os alunos. Essa realidade não foi a mesma para a rede pública, evidenciando para todos a grande desigualdade social, desdobradas no aumento significativo das taxas de abandono escolar, nas dificuldades de acesso à internet, nos desafios para promover ações nos processos de ensino e de aprendizagem por docentes e estudantes, entre outros aspectos das questões sociais resultantes do amadurecimento do sistema capitalista excludente e selvagem.

Nesse cenário, as reflexões e ações precisavam ser pensadas para estabelecer mecanismos que promovessem o planejamento tendo em vista a atual conjectura, pois como bem pontua Morin “não sabemos as consequências políticas, econômicas, nacionais e planetárias das restrições causadas pelos confinamentos. Não sabemos se devemos esperar o pior, o melhor, ou ambos misturados: caminhamos na direção a novas incertezas". (EDGAR MORIN, 2020).

Morin (2020) nos tenciona a refletir sobre as consequências advindas da pandemia em virtude das incertezas e questionamentos que temos sido submetidos em tempos atuais, enquanto profissionais da educação estamos a nos questionar: como tem se constituído os processos educativos em tempos pandêmicos? Quais os impactos que resultaram deste processo de mudança? Pois sabemos, que certamente, ao voltarmos para as escolas, seja de forma 100% presencial ou híbrida (semipresencial), não voltaremos os mesmos, todas as experiências afetam a cada um de forma distinta. E ainda, diante dos novos desafios que teremos enfrentar, estaremos prontos?

São inúmeras as indagações e para tal é extremamente relevante pensar no papel do professor e da escola diante dos tamanhos desafios. As incertezas estão presentes na organização de cada ação, na tentativa de implementação de mecanismos para atender as diversidades presentes numa rede tão ampla.

E nesse sentido, que torna-se imprescindível pensar na educação como ato político, como o firmamento de uma posição diante do espaço que ocupamos e entender a importância e os impactos de nossas ações educativas na escola, seja como aluno, professor, coordenador pedagógico, diretor, porteiro, merendeira. Enfim, não há como não nos posicionarmos em meio às incertezas com uma atitude de esperança.

Não como quem espera, mas de ‘esperançar’ como causa e consequência, assim como nos ensina Paulo Freire, perante os desafios e as transformações sociais. A partir de nossas ações, agir com esperança é ter atitude pesquisadora, observadora, engajada e implicada em um fazer de uma educação cada vez mais humana e libertadora. Na dúvida, tenha esperança, pois o futuro se faz no agora.

Freire (1991, p. 90) nos afirma que o futuro “[...] existe na medida em que eu ou nós mudamos o presente. E é mudando o presente que a gente fabrica o futuro: por isso, então a história é possibilidade e não determinação”. Caso contrário estaríamos assim, acreditando já no fracasso de sujeitos que esperam de nós a colaboração por construir seu projeto de vida. A luta, portanto, deve ser nosso constante ponto de partida.

Não nos cabe esquecer que as experiências sociais da qual fazemos parte, nos constrói em crenças, culturas, opção política, esperanças, ideologias, história. Aculturando-nos em novos tempos, em novas transformações. Sendo assim, somos sujeitos histórico-políticos, nos constituímos também como pais, alunos/as, pessoas, cidadãos, professores/as.

Quanto a nós, educadores/as, fomos impelidos em meados do ano de 2021, para retornarmos as aulas de forma remota, de caráter emergencial. Como plano inicial foi realizada uma pré-jornada pedagógica em formato on-line, pela plataforma Youtube, onde todos os funcionários da educação, juntos foram movidos a discutir e refletir sobre diversos temas que seriam norteadores para construir as ações preliminares do retorno às aulas, bem como as primeiras ações com os estudantes.

A “Jornada Pedagógica Paulo Freire - ano letivo 2020/2021”, trouxe ferramentas para professores/as, gestores/as escolares e coordenadores/as pedagógicos/as, estudarem e se prepararem para o início das aulas, segundo o site da jornada pedagógica, a princípio acolheu a todos da seguinte forma:


“Chegou agora o momento de iniciarmos o ano letivo e com paciência e resiliência nos adaptarmos as transformações, repensando o nosso agir pedagógico nas unidades escolares, adaptadas aos protocolos da OMS e da Secretaria Estadual da Saúde. Chegou o momento de acolher os nossos estudantes de uma forma especial [...]. Nesse contexto, iniciaremos o ano letivo no formato de um continuum pedagógico, de forma remota e, posteriormente, no formato híbrido e presencial, tão logo se estabeleça as condições sanitárias favoráveis [...]” (BRASIL, 2021, in: http://jornadapedagogica.educacao.ba.gov.br/).

O Ensino Remoto Emergencial na Bahia voltou em 2021 com o tema Paulo Freire, incialmente realiza uma pré-jornada entre os dias 01 e 05 de março, a fim de nos prepararmos para o retorno, analisando os planos e direcionamento que a Secretaria de Educação do Estado da Bahia construiu pensando em toda a rede.

Uma preparação para a Jornada pedagógica, que aconteceu na semana seguinte a pré-jornada, onde todos os atores, alunos, professores, gestores e coordenadores pedagógicos poderiam compreender as ações que estavam sendo direcionadas e reorganizar pensamentos, planos de ação e a estrutura de funcionamento escolar, da sala de aula à todas as demais áreas de convívio escolar, bem como as atividades complementares – ACs, espaço privilegiado para formação de professores/as, neste momento, redirecionada para o ambiente virtual.

Pela primeira vez, adentraríamos na cibercultura de forma intensa e necessária para manter a segurança de todos, além de dar continuidade as aprendizagens escolares. Apreender o manejo de ferramentas digitais antes não utilizadas, e as ensinar em tempo hábil para poder repassar estes conhecimentos e habilidades para os estudantes.

Bell Hooks (2017) irá nos dizer que ensinar é um ato teatral, não no sentido de espetáculo, mas onde professores/as conclamam diversas estratégias e maneiras de saber para partilhar o conhecimento. Não diferente, adentramos o ambiente virtual, repentinamente e de maneira não antes imaginada, mas engajados a realizar o melhor dentro das possibilidades de cada sujeito. A autora nos diz ainda:


Para lecionar em comunidades diversas, precisamos mudar não só nossos paradigmas, mas também o modo como pensamos, escrevemos e falamos. A voz engajada não pode ser fixa e absoluta. Deve estar sempre mudando, sempre em diálogo com um mundo fora dela. (BELL HOOKS, 2017, p. 22).

A escola encontra-se com o mundo da cibercultura, é preciso adequar linguagens, formas e modos de aprender e ensinar, o contexto de diferentes incertezas prescrevem questões emocionais como ansiedade e medo. Mas na experiência crítica dos professores, quase que intuitivamente, sabemos que a educação vive de mudanças em suas múltiplas e dinâmicas camadas. Adentramos tempos difíceis, mas apesar dos grandes problemas históricos que já enfrentávamos antes da pandemia do Corona vírus, sabemos que a sala de aula continua sendo um espaço de possibilidades.

O uso das tecnologias chegou para todos, àqueles que resistem a elas, os que adentram facilmente a este trabalho com as ‘engrenagens’. Freire (1979) disse que “ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Os processos educativos acontecem de diversas formas, seja pela comunhão entre as pessoas, entre comunidades, bem como mediatizados pela tecnologia, por meio da colaboração e interação entre os homens; torna-se, portanto, ferramenta essencial nos processos pedagógicos e educacionais, principalmente considerando o tempo pandêmico.


Contexto do NTE 25 – Território de Identidade Piemonte Norte do Itapicuru


O distanciamento social e o fechamento das escolas, promovidos pela pandemia, provocaram grandes mudanças nos processos educativos das escolas. Aulas presenciais foram suspensas por recomendação do Ministério da Educação, passando a ser ministradas a partir de mecanismos tecnológicos, tornando o ensino remoto emergencial1 uma realidade para as escolas. Neste sentido, os nove municípios e as unidades escolares que compõem o Piemonte Norte do Itapicuru e estão sob a jurisdição do Núcleo Territorial de Educação (NTE 25), também passaram a vivenciar essa realidade.



Como órgão da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, o NTE 25 teve papel importante na articulação e promoção de momentos formativos junto aos educadores, coordenadores/as pedagógicos/as e gestores/as escolares, no intuito de potencializar a discussão sobre normas, documentos e propostas pedagógicas que reverberassem a construção de novas possibilidades que viabilizassem o retorno emergencial de forma estratégica e planejada, tendo como aspecto mobilizador a jornada pedagógica como eixo de discussão e construção de outros espaços dialógicos.

A organização da pré-jornada e da jornada pedagógica, trouxeram em seu âmbito, momentos formativos para reflexão sobre os processos escolares, tensionados por questões sociais relevantes para a implementação do ensino remoto no território, visto que o mesmo necessitava naquele momento, de aparatos tecnológicos, oferta de internet nas escolas, profissionais preparados para lidar com as mudanças impostas.

Diálogos foram estabelecidos, experiências foram socializadas, profissionais se mobilizaram, no intuito de promover uma melhor adequação ao atual cenário. Neste sentido, o diálogo mediatizado pelas ferramentas digitais tornou-se em exercícios cotidianos para e refletir sobre as implicações advindas com a pandemia do corona vírus para a educação pública, norteados pelos princípios educativos do professor Paulo Freire, como pedagogia problematizadora, humana, dialógica e transformadora.


2.1.Expectativas e motivação no Ensino Remoto Emergencial



O diagnóstico aqui estudado obteve 732 (setecentas e trinta e duas) respostas, aplicado entre os dias 08 a 12 de março de 2021, paralelo ao desenvolvimento do diagnóstico, professores/as, coordenadores/as pedagógicos/as e gestores/as escolares estavam em Jornada Pedagógica inspirada nos princípios freirianos, na busca de valorizar as experiências pedagógicas, a esperança e a vivência dos estudantes.

Trouxemos como recorte apenas alguns aspectos do diagnóstico, a diversidade de questões trabalhadas e a quantidade de respostas torna imperiosa a seleção de três, das vinte perguntas aplicadas, para o tecer reflexivo deste trabalho.

Inicialmente o diagnóstico questiona sobre a motivação dos estudantes para o retorno, perceber a presença do entusiasmo no estudante por ajudar a entender suas expectativas, motivações e implicar no trabalho do professor. Como repostas obtivemos: 64,9% dos estudantes disseram estar motivados para o retorno das aulas de forma remota, 27,5% responderam talvez, e apenas 7,7% disseram que não.




A motivação entendemos que tem a ver com o entusiasmo, para Bell Hooks (2017) a sala de aula deve ser um local de entusiasmo, “nunca de tédio” (BELL HOOKS, 2017, p.16). Quando a desmotivação e o tédio fazem-se presentes, geralmente demonstrado pelo comportamento do aluno, a distração, o desinteresse, até mesmo a solidão, é necessário buscar estratégias pedagógicas outras que intervenham e alterem a atmosfera.

Para a autora o “entusiasmo é um ato de transgressão” (BELL HOOKS, 2017, p.17). A alegria em estar e ser, em esperançar, para Freire o entusiasmo é chamado de “boniteza” são atitudes necessárias para o desenvolvimento do processo educativo, e tal esforço é coletivo. Estudantes motivados, injetam a mesma atitude nos professores, num movimento recíproco, de troca natural, relacional.

Tal pergunta no diagnóstico busca ouvir do estudante sua opinião sobre o retorno das aulas, traz implicitamente sua aprovação, dúvida ou mesmo, reprovação. Pois, cada palavra não pode por si só ser vista como um conjunto de sílabas, mas sim, de significados, história, sentidos, e ali está contida a voz de cada aluno participante. Dando a oportunidade de apresentar ao professor/a o quanto cada aluno/a, motivado ou não, aguarda e solicita o sentimento de motivação de volta, onde cada sujeito sente-se parte integrante de um todo, valorizado e importante.

Para Paulo Freire (1967) nos diz, onde cada um pode ver a boniteza que está em aprender e ensinar, cada sujeito sente-se livre; é a acomodação, para o autor, o seu contrário, revelando as consequências de práticas que não levam em consideração o fator relacional, na perspectiva do entusiasmo:


A sua integração o enraíza. Faz dele, na feliz expressão de Marcel, um ser “situado e datado”. Daí que a massificação implique no desenraizamento do homem. Na sua “destemporalização”. Na sua acomodação. No seu ajustamento. (FREIRE, 1967, p. 42).

A massificação ou uma educação que impere o tédio e o ato de esperançar, acomoda e ajusta a todos para se tornar um alguém reflexo e não reflexivo. Preso, um objeto, sendo “coisa” precisará lutar por sua própria humanização, ameaçada constantemente pela opressão e tristeza que a acompanha. Ao contrário, buscamos nos situar nos princípios de humanidade, para que possamos, através da crítica, alcançar a liberdade para cada indivíduo.


2.2. O uso de tecnologias no Ensino Remoto Emergencial


A segunda pergunta apresenta os recursos tecnológicos que os alunos conhecem que podem ajudar no processo de ensino-aprendizagem. Das respostas obtidas, 66,1% dos estudantes disseram acreditar que o WhatsApp pode ser explorado para poder vir a facilitar o processo de aprendizagem.




O WhatsApp vem sendo um facilitador da interação aluno-escola-família desde o início da pandemia, comumente utilizado como instrumento de comunicação rápida de uso pessoal e particular, hoje tornou-se um ambiente de trabalho e estudos, seus usos transformaram-se e ampliaram-se; a popularidade do aplicativo é incontestável, principalmente entre os mais jovens, atualmente, este tornou-se espaço de ensino, aprendizagem e formação, na cibercultura.

A mediatização através da tecnologia é indicada pelos estudantes, estas informações nos guiam para indicação das principais plataformas de comunicação que podemos utilizar para alcançar o maior número de pessoas. “A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante” (FREIRE, 1979, p. 46), o planejamento de ações educativas começa por esta escuta, não podemos agir diante do que imaginamos, precisamos ouvir, confirmar, aprender para ensinar. Dessa maneira, podemos entender que a autossuficiência não é compatível com o diálogo, este rompe-se se não houver humildade.

O WhatsApp surpreende-nos como plataforma de comunicação e de educação no processo de ensino e aprendizagem, além de ser um veículo de comunicação rápida, ele cria ambiente de discussão que transcende a sala de aula virtual, mediatizado pela plataforma Classroom, o aplicativo social tornou-se mais um local para trocas entre colegas, sem o risco de ser silenciado, interrompido ou ouvir que está sendo errado.

Para os autores Lapa e Girardello (2017, p.21)


O Whatsapp Messenger aproxima grupos já formados, criando espaço de trocas instantâneas e privadas, que amplificam as possibilidades de interação, à revelia de condições espaciais e temporais. [...] Na educação, tem propiciado a quebra dos ‘muros” da escola, tanto levando o mundo exterior para dentro da sala de aula, como conectando estudantes e professores fora do tempo e espaço escolares. (LAPA, GIRARDELLO, 2017, p.21).

Os estudantes intuitivamente percebem que esta ferramenta será primordial na facilitação deste contato, desta aproximação entre alunos e professores, lugar de trocas discursivas e de informações relevantes para o desenvolvimento do Ensino Emergencial Remoto.

Vale ressaltar que nem todos os alunos possuem aparelho de telefone móvel, entretanto, percebe-se que há um esforço de acessar os grupos em que podem, assim que possível, inteirar-se das informações que são repassadas através deste veículo. Prova disso é a expressiva participação dos estudantes na atividade diagnóstica base para a construção destas reflexões.


2.3.Ensino Remoto Emergencial com e sem uso de tecnologias


Percebe-se que é um fato o esforço da adesão e habitualidade de muitos estudantes frente a estas novas mudanças no ensino remoto emergencial com e sem tecnologia, vale neste momento apresentar mais uma questão relevante para nossas reflexões, com base no diagnóstico aqui utilizado como dado para este estudo, que diz respeito a quais aparelhos tecnológicos o estudante possuía para realizar seus estudos de forma remota.

Os dados mostram que a grande maioria, 86,3% dos estudantes possuem apenas o celular para realizarem seus estudos, o que equivaleu à 631 respostas. Já para os estudantes que possuem computador ou notebook, apenas 90 participações, 12,3% dos estudantes, apenas 3 estudantes responderam ter tablet, 0,4% dos estudantes.



O recurso da tecnologia ou a falta dele obriga a pensarmos em métodos diferentes para alcançar os estudantes. Àqueles que possuem o aparelho celular com internet podem estudar o Ensino Remoto Emergencial com uso de tecnologia, àqueles que não possuem celular cursam sem tecnologia e há ainda àqueles que tem acesso eventual à celular e internet, que cursam as duas modalidades, entretanto amparados no Ensino Remoto sem Tecnologia; estes estudantes, desta última classificação, estudam através dos livros, módulos, porém quando acessam o celular, às vezes de um parente ou amigo, assistem as aulas quando possuem acesso, veem as mensagens nos grupos de sua turma, entram em contato com a secretaria da escola, entre outras atividades relacionadas ao ensino.

Os dados revelam as dificuldades dos estudantes, as desigualdades sociais e econômicas que existem entre eles, as diversidades de sujeitos que a escola pública abraça, portanto, se direito à educação é universal, público e de qualidade para todos, cabe a nós, profissionais da política educacional responsáveis por executar, propor e construir metodologias criativas, engajadas e pedagógicas que alcancem, se não todos, o maior número de estudantes possível.

O que fazer diante daqueles que ainda encontram-se distantes da escola dentro deste novo contexto? A busca ativa torna-se estratégia imprescindível, desde o período da pré-jornada, até o momento em que nos encontramos, pois é preciso realizar, buscar e incentivar os estudantes a retornarem, a continuarem e não desistirem da escola diante das dificuldades em adaptar-se aos novos moldes.

Vivemos em épocas em que a escola torna-se um ecossistema de aprendizagens, o uso da tecnologia como veículo facilitador não retrocederá em seus usos na educação, ao contrário, novos estudos surgem a cada dia, sobre como potencialmente tem implicado na educação, em especial nesta época que estamos vivenciando, bem como as possibilidades de materiais diversos para o ensino remoto sem tecnologia. Ou ainda, o hibridismo de metodologias, constroem nos professores novos hábitos de trabalho, em que este necessita construir, arquitetar e desenhar diferentes ambientes que explorem as potencialidades das mais variadas ferramentas tecnológicas para a educação, sejam com uso ou não de tecnologia, para assim contribuir para o desenvolvimento das potencialidades dos diversos sujeitos que compõe a escola.


Nutrindo-se de mudanças, o tempo de trânsito é mais do que simples mudança. Ele implica realmente nesta marcha acelerada que faz a sociedade à procura de novos temas e de novas tarefas. (FREIRE, 1967, p. 46).

Freire (1967) nos ensina que são nestas épocas de trânsito que as mudanças ocorrem, cremos que após término do período de quarentena não voltaremos da mesma forma, não pensaremos ou agiremos iguais, estamos sendo moldados para novos tempos, novos hábitos, construindo uma nova educação que utiliza de diversos recursos e ferramentas para atender as diversas realidades e especificidades de comunidades escolares, de estudantes e professores/as.

Em meio à tantas incertezas, prescrições não nos servem mais, é preciso utilizar da criatividade e adaptar-se a novas situações para uma educação de qualidade, e para Freire (1967) qualquer ação ou movimento no sentido de humanização é uma ação subversiva, um esforço para humanizar-se.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


As vivencias relatadas, nos fazem perceber o caráter provocador trazido em toda a descrição do texto, pois a partir da perspectiva dialógica inspirada por Paulo Freire, é possível compreender a necessidade de fazer, de tecer junto, de apontar caminhos que permitam a criação de estratégias que resinifiquem o atual cenário educacional, a partir de um diálogo constante, a partir de um esperançar diário.

A esperança para Freire (2002, p. 11) “[...] enquanto necessidade ontológica, precisa ancorar-se na prática”, transformando-se em história concreta. Esperançar em tempos de pandemia, portanto, é revolucionário, é o primeiro passo para construirmos juntos, uma educação como prática para a liberdade.

As reflexões presentes no texto, evidenciaram necessidades que surgiram com o ensino remoto, como estabelecimento de momentos de diálogos e reflexões no coletivo da escola, a vivência de experiências formativas na perspectiva de que estas se constituam como educação libertadora, visto que o fazer pedagógico deve ter como princípio a reflexão da prática e na prática, em um jogo de ensinar e aprender constante, como pontua Paulo Freire, pois é preciso seguir em frente e caminhar na esperança de que possamos tornar as experiências em oportunidades potentes e emancipadoras.

No tocante ao uso das tecnologias na Educação, é importante pensarmos sobre os princípios de uma educação para a liberdade, uma educação humana capaz de transpassar a ideia das ferramentas e os recursos apenas como canais de informação, mas como construtores de conhecimento. É a partir do planejamento e do diálogo que podemos construir propostas com potencial de transformar a técnica e o instrumental em um fluxo de aprendizado para cada pessoa dentro do processo de ensino e aprendizagem.

Precisamos sempre buscar o caminho da crítica, da formação, do empoderamento, não podemos nos entregar a visões fatalistas e primitivas que nos paralisam, limitar nossa compreensão sobre as possibilidades e potencialidades que podemos construir juntos, seja em que época histórica nos encontramos, seja qual dificuldade esteja sendo enfrentada.

Nosso chamado é para a educação, para a transformação, forjados pela história que nós mesmos construímos e modificamos, pela convivência com o outro, mediatizado pela tecnologia ou não. Que sejamos esperançosos e amorosos, não no sentido romântico, mas firmes, na perspectiva política, escolhendo amar em tempos duros, escolhendo esperançar em tempos de incertezas, na perspectiva de que sempre é tempo de recomeçar, de fazer e de (re) construir.


REFERÊNCIAS


FREIRE, F. M. P. & VALENTE, J. A. (org.) Aprendendo para a vida: os computadoresna sala de aula. São Paulo: Cortez, 2001.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz eTerra, 1967.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Editora Unesp, 2001.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir : a educação como prática da liberdade.2 ed.São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.

LAPA, Andrea. GIRARDELLO, Gilka. Gestão em rede na primavera secundarista. 2017. In: PORTO, C; OLIVEIRA, K. E; CHAGAS, A. Whatsapp e educação: entre mensagens, imagens e sons. Salvador: EDUFBA, 2017.

MORIN, Edgar. Um Festival de incerteza. Editora Gallimard, 2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/. Acesso em: 19 jul. 2020.




Onde encontrar a Revista Estudos IAT; Vol 6, No Especial (Ano 2021).

Site: http://estudosiat.sec.ba.gov.br/

Estudos IAT; Vol 6, No Especial (Ano 2021).


Sobre as autoras:

Cecilia Cabral Mascarenhas de Santana

Mestra em Educação e Diversidade (UNEB). Graduada em matemática pela Universidade do Estado da Bahia. Professora da Rede Estadual de Ensino e Formadora do Plano de Formação Continuada do Instituto Anísio Teixeira (IAT/SEC). E-mail: cecilia.santana@enova.educacao.ba.gov.br


Edicarla Correia de Sá

Mestra em Educação e Diversidade (UNEB). Especialista em Gestão de Políticas públicas, redes e defesa de direitos, Especialista em Saúde mental. Graduada em pedagogia e em Serviço Social. Coordenadora do Colégio Estadual Cecentino Pereira Maia Filadélfia/BA na época da escrita deste artigo.

Atualmente coordenadora pedagógica do Col. Estadual Instituto Psicopedagógico de Bonfim. E-mail: edicarla.correia1@enova.educacao.ba.gov.br






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