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Reflexões sobre a avaliação e o IDEB escolar


Avaliar, palavra cheia de controvérsias, auto-explicativa, parece-nos clara e objetiva, entretanto é algo que nos desafia. Ontem saiu o resultado do IDEB das escolas de todo o Brasil. O Ideb é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, é um indicador baseado em avaliações importantes para sabermos como estamos nos desenvolvendo como escola, território, estado e nação, com relação à política educacional.

Nenhuma avaliação vale se não fizermos o caminho da reflexão e da retomada, este texto baseia-se nisto, uma retomada nestes dois último anos desde a divulgação do último resultado do IBED em 2017.

Assim também na escola, de que valem tantas avaliações, testes e provas se não às utilizamos para retomar, reaprender, reavaliar, refletir sobre as práticas escolares, as didáticas, os pontos forte e fracos que emperram a aprendizagens de todos os sujeitos.

É o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) que constrói as bases avaliativas para construção de tais indicadores, é um conjunto de avaliações externas em larga escala, em todo o território nacional, a fim de permitir que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep, realize um diagnóstico da educação básica brasileira e de fatores que podem interferir no desempenho do estudante.

Para além de monitorar os indicadores, nos permitem aprimorar nossas práticas, seja à nível macro, no estado, território, seja no nível micro, dentro da escola. O Ideb da escola que atuo em 2017 foi 3.0, ontem o resultado nos surpreendeu, mas não de forma positiva, o resultado foi 2.9. Uma pontuação menor, o que nos pegou de surpresa, mas também que nos impulsionou a verificar o que levou a isto.

Ontem mesmo tivemos longas conversas entre a gestão escolar e à gestão pedagógica, muitas palavras surgiram como decepção, tristeza, vergonha, estas eram as mais comuns, mas também recomeço, avaliação, reflexão, retomada, foco.

Muitos motivos foram levantados, pensando nestes dois últimos anos, o número de desistentes e faltantes é grande no turno noturno, sabemos que o faltante e o desistente puxa o ideb para baixo, mais até que o número de reprovação.

As provas SABE realizadas no ano de 2019, quase que mensalmente, proposta diagnóstica direcionada pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia, revelavam graves dificuldade com relação à intertextualidade dos alunos e resolução de situações problemas, ou seja interpretar, ou o chamado conhecimento de mundo. Uma professora minha na época da escola, chamava de pensamento de astronauta. Significa relacionar, ordenar, interpretar as diversas linguagens textuais, relacionando-as com as informações propostas em questões direcionadas nas atividades com o conhecimento construído, previamente, pelo estudante.

As provas SABE (Sistema de avaliação baiano de educação), que objetivam o diagnóstico e identificação dos pontos mais dificultosos na aprendizagem dos alunos, elas chegavam com prazos apertados para mobilização, aplicação e inclusão no sistema, tudo sob responsabilidade da coordenação pedagógica. Os professores sentiam que tirava-os de sua programação normal, alguns disseram não terem trabalhado com as provas, não utilizaram nas aulas para correção em grupo, ou realizar uma retomada dos conhecimentos, ou outras atividades que pudessem ser realizadas com base no diagnóstico apresentado através das provas.

Desta forma, os alunos também desmotivaram-se, assinavam o nome na prova e não tentavam sequer responder, não acompanharam os conteúdos ali trabalhados, sempre que saia o resultado o diagnóstico se repetia. As dificuldades continuavam.

As atividades complementares - ACs não eram levadas a sério do tamanho da importância que a AC tem. São momentos formativos que os professores, no coletivo, elaboram suas atividades, fazer correções, criam projetos, elaboram suas provas e aperfeiçoam suas ideias. As ACs no Estado da Bahia são feitas em três dias, terça, quarta e quinta-feira, cada dia dedicada a uma área do conhecimento, humanas, linguagens e exatas e ciências da natureza, respectivamente.

Sob orientação da coordenação pedagógica para discussão de temas diversos que envolviam didática, metodologias, projetos escolares, atividades extracurriculares, colaborar com as ideias dos/as professores/as, temas relevantes e caros para a educação como a discussão sobre a diversidade. Estes momento compreende geralmente oito horas diária, ou seja, dois turnos que o professor está na escola para realizar o planejamento de suas ações. Mas muitas vezes eram feitas em metade do tempo.

Nem todo o tempo a coordenação fica ao lado do professor na AC, outras atividades ocupam a agenda da coordenação. Estudo, pesquisa, atendimento a alunos, pais, professores, demandas que surgem no dia a dia da escola que nos pegam de surpresa e que sempre me fazem pensar: “nossa!” Muitas coisas acontecem nos ‘bastidores’ da escola.

Apagar incêndios não deveria ser algo constante, como nos preparar para antecipar estes imprevistos? Estar mais preparado para atuar frente ao novo que acontece na rotina escolar? Você pode me dizer que é muito difícil, pois trabalhamos com pessoas, adolescentes, adultos, e tudo torna a realidade dinâmica e complexa.

Formação com professores, formação com líderes estudantis, acompanhamentos dos planos de gestão, planos de ação, planos pedagógicos, planos de aula, projetos e programas escolares, projeto político pedagógico, provas, olimpíadas, datas comemorativas, viagens, pesquisas, estudos, atender à agenda, atender aos pais, ter olhar cuidadoso para à diversidade presente na escola. Plano de flexibilização do novo ensino médio, reuniões territoriais mensais, formação continuada, reuniões de pais, professores, gestores, bulling.

Nestes dois últimos anos vimos que não acompanhamos as mudanças, nesta reunião on-line entre a gestão escolar e pedagógica da escola, vimos que não investimos a fundo nas discussões sobre diversidade, sobre temas contemporâneos, foca-se no conteúdo, no que deve ser alcançado, no cumprimento do livro, uma corrida contra o tempo para o máximo de conteúdo que podemos passar.


“Os alunos chegam ao ensino médio sem saber ler”, “os alunos chegam ao ensino médio apenas com noções básicas de matemática, às vezes nem isso”. "Os alunos não querem nada com a vida", "as famílias são desestruturadas", "os alunos saem do trabalho e vão direto para a escola", "a gravidez na adolescência só cresce"

[...]


O que fazemos com relação à isso?

“Não volto conteúdo”, “não sou professora alfabetizadora”, “não volto os assuntos depois de provas, quem estudou aprendeu”, “estes assuntos que falam de racismo e diversidade não são importantes, importante é dar o conteúdo e pronto”, “não trabalhei as provas sabe”. "não temos tempos"

[...]


O Ensino Médio, é fase do desenvolvimento que estamos mais confusos e mais certos, momento de grandes contradições, temos que decidir o futuro, mesmo sem muitas vezes ter expectativas sobre ele, conhecemos o primeiro amor, as paqueras, os ‘micos’, aquilo que muitas vezes revelam-se nas paredes dos banheiros ou escritos nas carteiras. Além do mais, queremos ser vistos, ter importância, não passar despercebido, ser aceito, amado, querido.

O ano de 2019 foi carregado de muitas faltas: faltas de professores, muitas aulas vagas sem aulas de português, inglês, entre outras. Ano que muitos professores tiveram suas licenças, não questiono isso, quero apenas dizer o quanto à falta do professor na escola, em sua aula pode causar consequências negativas; à burocracia morosa em atender o pedido da escola e veja outro professor para ocupar lugar do que não pode está presente... Diante de tantos buracos no horário escolar as provas SABE foram utilizadas muitas vezes para suprir essa aula vaga e o aluno não ficar ocioso pelo pátio. Forma errada de se trabalhar a avaliação.

Entendam que este texto não se refere a apontar culpados, e sim, apontar as fragilidades para não repetirmos mais elas. Não repetir os erros, tentar prevê-los e ter resoluções e planos para atender em tempo hábil estas adversidades, estes contratempos. Para que possamos prever os ‘imprevistos’ e estarmos mais preparados diante deles.

Sabemos que a fragilidade de interpretação e intertextualidade vem da leitura, este foi um dos principais dados diagnosticados na prova SABE, devemos portanto, daqui em diante, reavaliar os projetos de leitura.

Os projetos de leitura na escola precisam ser abraçados por todos, leituras compartilhadas, leituras individuais, interpretação de textos, de situações problemas, contextualizar e intertextualizar o mundo. Na verdade, os projetos da escola precisam ser compreendidos como da escola, como parte integrante do currículo, e não sob responsabilidade de um único professor.

Assim também o projeto de matemática, já avaliado como positivo, que auxilia no processo de construção do conhecimento lógico-matemático, o projeto de Monitoria de matemática deve incluir todas as turmas, e não apenas algumas, aquelas em que a professora que está a frente do projeto acompanha.

Os projetos da escola, todos eles, são interessantes, motivadores, criativos, e segundo os próprios alunos, eles contribuem para facilitar a compreensão dos conhecimentos que são construídos.

É preciso maior articulação entre gestão, coordenação, docência e discência. Das sugestões feitas pelos alunos nos plano de ação, através das escutas realizadas e reuniões com lideres de classe, com relação a atualização da avaliação, para criar momentos de retomada dos conteúdos que mais apresentaram dificuldade de compreensão pelas turmas, não foram atendidas e abraçadas pelos professores, deveríamos ter essa causa como da gestão escolar (administrativa e, especialmente, pedagógica), insistir na reflexão da avaliação.

A formação continuada para coordenação pedagógica foi um divisor de águas para mim, enquanto coordenadora pedagógica, pela primeira vez nesta função, foi um momento de muito aprendizado, de construir e fortalecer a minha identidade enquanto formadora, pesquisadora e gestora pedagógica. Ao estar a frente dos processos educativos e não conseguir atender as expectativas, tentar apagar os incêndios sem conseguir prevê-los, flexibilizar demais a formação escolar, não conseguir fortalecer a conscientização sobre a importância da formação continuada dentro da escola através da AC, não seguir a risca agenda pedagógica para atender todas as metas, não mobilizar de forma mais séria e comprometida as provas diagnósticas da SABE para que pudéssemos assim atuar de forma direta nos problemas detectados pela SABE.

Enfim… Acredito que estes fatores foram os que mais afetaram a pontuação do IDEB da nossa escola. Repito que a intenção não é apontar o dedo, é perceber nossas fragilidades, para poder crescer e melhorar através delas. Ninguém quer uma pontuação ruim. Ainda mais se você, como eu, sempre foi uma daquelas pessoas que sempre senta na frente na sala de aula, tem já tudo na ponta da língua, do lápis, as melhores notas, destacando-se na escola em todas as disciplinas e também na faculdade. E querer continuar assim, desejar que isso aconteça também no trabalho.

O desequilíbrio é necessário para podermos nos equilibrar, me ensinou uma amiga. Já a teoria do caos nos diz que situações caóticas estão presentes em tudo o que nos cerca e é a base do “efeito borboleta”. É uma das leis mais importantes no universo e está presente na essência de tudo à nossa volta.

A ideia central da teoria do caos é que uma pequenina mudança no início de um evento qualquer pode trazer conseqüências desconhecidas no futuro. Por isso, tais eventos seriam praticamente imprevisíveis – caóticos, portanto.

Parece assustador, estamos assim assustados/as com o resultado da escola, decepcionadas/os.

É só dar uma olhada nos fenômenos mais casuais da vida para notar que essa ideia faz sentido. Imagine que, no passado, você tenha perdido o vestibular na faculdade de seus sonhos porque um prego furou o pneu do ônibus. Desconsolado, você entra em outra universidade. Então, as pessoas com quem você vai conviver serão outras, seus amigos vão mudar, os amores serão diferentes, seus filhos e netos podem ser outros... No final, sua vida se alterou por completo, e tudo por causa do tal prego no início dessa sequência de eventos!

O que quero dizer é que tudo o que aconteceu contribuiu para gerar o resultado do Ideb da nossa escola, porém não devemos nos apegar ao caos, como diria minha avó, não adianta chorar pelo leite derramado. O ônibus já foi perdido, as provas já foram aplicadas, o ano já terminou e estamos no meio de uma pandemia.

Vamos retomar as reflexões, recomeçar, corrigir, ordenar e reconstruir. Replanejar.

O efeito borboleta não se trata apenas de resultados inesperados, mas de mudanças, se um evento pode causar mudanças negativas, podemos trabalhar para gerar mudanças positivas, planejadas em cima das ações que foram observadas como pontos fracos, erros que contribuíram para a queda na pontuação do Ideb, e assim poder esperar resultados diferentes na próxima vez.

A escola conta com uma equipe unida, inteligente, esforçada, confio neles/as, acredito em cada um, e acredito que iremos mudar e crescer, entendendo que juntos, avaliando, poderemos recomeçar com mais força para alcançar aquilo que desejamos para todos, realizar uma educação com qualidade, com afeto e que permita que os sonhos de cada aluno e alunas possam crescer, que o efeito borboleta seja transformador, no sentido de que tais asas batam no sentido da generosidade, da esperança.

Que nossas práticas escolares sejam cada vez mais comprometidas, engajadas, críticas e libertadoras, que possamos entender o valor da avaliação na escola, não é apenas para dar notas ou rotular pessoas com números, ela nos revela nossas fragilidades, é preciso desnudar-se de vaidades e reconhecer as nossas fragilidade, os nossos erros, para poder fortalecer-se, sermos maiores, reencontrar o equilíbrio.






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