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"O feminismo é para todo mundo"


Esses dias tive a oportunidade de me aprofundar sobre a história do feminismo, tão necessária para nossa formação, falo como mulher, professora e de comunidade; o título não poderia ser outro, pelo menos não consegui imaginar um que pudesse ser melhor, mais explicativo e claro que este. É o título do livro de Bell Hooks, onde nos ensina tanto sobre o tema através da afetividade, sinceridade, sua compromisso, ética e teoria.

Na história do feminismo conhecemos tantas mulheres que tomaram para si lugar de coragem para falar sobre suas histórias de vida e seus projetos, enfrentar o patriarcado para realizar seus sonhos, para que suas vozes fossem ouvidas e seus talentos valorizados.

Ao passo que à apresentação era feita no grupo de estudos Ciclos Formativos da UNEB, lembrei da Liga das senhoras católicas, década de trinta, movimento assistencialista, encabeçado pela primeira dama da época, vinculado à Igreja Católica, tal movimento que também constituiu as bases para o trabalho sócio-assistencial no Brasil.

Nesse período muitas mulheres eram igualmente comparável à propriedade, pertenciam à seus pais, seus maridos, irmãos, quer fosse o homem chefe da família. suas lutas foram por espaço, igualdade, respeito ao seu gênero, ser vista como pessoa e não mais como mera coisa, adereço, um bibelô.

Mas desde sempre, haviam muitas outras mulheres que trabalhavam e lutavam por suas vidas e pela vida de seus familiares e pares. Haviam muitas que estavam fazendo e recriando movimentos feministas, mesmo que não levasse esse título.

Mulheres trabalhando, chefes de família, mulheres que em suas comunidades eram líderes religiosas, líderes comunitárias, trabalhavam tanto quanto ao homem para o sustento seu e de seus parentes. Criando pedagogias solidárias, dividindo que o tinha, desde o pão ao cuidado. Cuidado com os filhos da vizinha, da amiga, com os irmãos mais novos, para que outra mulher pudesse ir para a lida.

Lembro de minha bisavó paterna que veio do estado do Ceará a pé, junto à jagunços e tropeiros, com seus dois irmãos mais novos, ela com apenas quinze anos, chegou até Passagem Velha para trabalhar em um engenho de cana-de-açúcar.

Vejo minha avó materna que aprendeu a ler para ensinar suas filhas e filhos. Negra, filha de sertanejos descendentes de negros e indígenas. Minha mãe começou a dar aula na sua comunidade rural, no rol de casa, adolescente, à sua maneira criou minha irmã e à mim. Se falo sobre feminismo hoje é porque de algumas forma, em algum momento também aprendi com todas elas.

Com as mulheres da minha comunidade rural, Passagem Velha, que desde que foi criada à associação comunitária, sempre quem esteve à frente foi uma mulher.

Quando as mulheres íam lavar roupa no rio e as meninas mais velhas cuidavam das mais novas.

Ou quando sentavam embaixo de três grandes árvores que ficavam no meio da comunidade para quebrar o licuri, e nós crianças, brincávamos, mas sempre tinha uma que ‘passava o olho em nós’ para ver se estávamos bem. Vejo movimento de sororidade, vejo feminismo.

No período do império no Brasil, mulheres passaram a estudar, ter direito à educação, eram mulheres pertencentes à um grupo específico, mulheres brancas, de classes abastadas.

O feminismo, em seu termo e teoria, nasce sim como um movimento de luta por igualdade, mas igualdade entre os seus iguais, mulheres e homens brancos.

Podemos ver que o termo feminismo é um termo rico, que remete à muitos marcos históricos, porém muito complexo, enquanto mulheres brancas lutavam por educação, saúde e emprego, paralelo, em suas casas mantinham empregadas domésticas em situação de subemprego, abuso de atividades por salários miseráveis, o tal “preciso de uma boa menina que faça tudo e possa dormir em casa”; sem educação, sem saúde digna, com uma família para sustentar mulheres negras submetiam-se à situações degradantes para à senhora da casa. Mulheres indígenas estavam nas fronteiras de seus terras defendendo seu direito à viver sua cultura, sua crença, à terra, à existir.

O feminismo negro ensina-nos que o feminismo é para todos e todas, ouvir, entender e lutar por todas as demandas, contra todas as formas de opressão, todas as formas de discriminação. Escolher por quais formas de opressão lutar não é ir contra uma estrutura opressora é está ao lado dela, escolhendo as formas de beneficiar-se e aos seus iguais.

Mulheres negras e indígenas ao encabeçar movimentos contra o patriarcado, contra a colonização, à dominação masculina, acabam lutando contra todas as formas de opressão, acabam lutando por todas nós, pois à opressão que as oprime vem do mesmo opressor que o nosso. E isso arrasta-se até os dias de hoje.

Atualmente em nosso país, somos a maioria em números populacionais, todas as mulheres, somos à maioria também em desemprego, subemprego e chefiando famílias. Porém quando fazemos os cálculos entre nós mulheres, são as mulheres negras que em sua grande maioria chefiam seus lares, que sofrem mais violência doméstica, que sofrem mais violência durante o parto, que sofrem mais estupros e abusos sexuais, e são as que mais perdem emprego durante a pandemia que assola todo o mundo.


Era uma tarde de Dezembro, dia 30, o ano era 2016, uma mulher da etnia Caingangue amamentava o filho de dois anos, sentada numa calçada junto à rodoviária da cidade de Imbituba, no Estado de Santa Catarina. Eles tinham dormido naquele local juntamente com um grupo de indígenas após terem efetuado uma viagem de ônibus que durou oito horas, desde Chapecó até Imbituba, para vender artesanato.

A jovem mãe segurava o seu bebê encostada ao muro quando um desconhecido se aproximou deles. Imagens da câmera de segurança mostram o homem a aproximar-se. Ele primeiro tocou na face do menino Vítor Pinto e depois, com uma pequena lâmina, desferiu um golpe cortando a garganta da criança, fugindo logo de seguida. A mãe, desesperada, gritou por ajuda, mas o pequeno Vítor acabaria por morrer. Tinha apenas dois anos.

O crime não ocupou as manchetes da imprensa nacional, o homem não foi não foi preso.


Desde que a América Latina se tornou um “negócio europeu” a vida indígena sempre foi a mais barata do continente — afirmou o jornalista Eduardo Galeano.

Se você não ver nenhum problema com na colonização, como nossas mentes foram ensinadas e condicionadas para não enxergar as diferenças, as diversidades, as vulnerabilidades sociais, culturais, econômicas que à maioria do povo desta nação sofre devido à colonização do homem branco e à exploração desenfreada e selvagem do capitalismo, que para mim equipara-se à um espécie de colonização moderna, você precisa repensar algumas ou muitas de suas ideologias.


No ano 2017, foram 11,8 mil mortes de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos. Segundo a UNICEF, no total são 32 crianças por dia assassinadas no Brasil. As vítimas, em sua maioria, são meninos negros, pobres, que vivem nas periferias e em áreas metropolitanas das grandes cidades desprovidas de serviços básicos de saúde, assistência social, educação, cultura e lazer.


Em 10 meses o Estado do Rio de Janeiro teve 6 crianças mortas por bala perdida, muitas sem respostas para as famílias, balas resultantes da violência armada.

Penso no termo bala perdida, como podemos dizer que ela é perdida se somente atinge corpos negros, pobres, em situação de vulnerabilidade, muitas dessas crianças estavam à caminho ou voltando da escola. Um bala perdida que consegue identificar cor, gênero, classe, local, região. Enfim...

Um movimento de mulheres que diz que racismo não existe, não sinto tanto em informar, mas isso não é movimento de mulheres que se possa chamar de empoderamento feminino, ou menos ainda, feminismo, e sim de beneficiamento mútuo seletivo.

Seu Jorge, junto à outros cantores, compuseram a música ‘A carne’, Elza Soares à interpreta, a letra nos faz refletir:


A carne mais barata do mercado

É a carne negra

Tá ligado que não é fácil, né, mano?

Se liga aí

A carne mais barata do mercado é a carne negra

[...]

Só-só cego não vê

Que vai de graça pro presídio

E para debaixo do plástico

E vai de graça pro subemprego

E pros hospitais psiquíatricos

A carne mais barata do mercado é a carne negra

[...]

Que fez e faz história

Segurando esse país no braço, meu irmão

O cabra que não se sente revoltado

Porque o revólver já está engatilhado

E o vingador eleito

Mas muito bem intencionado

E esse país vai deixando todo mundo preto

E o cabelo esticado

Mas mesmo assim ainda guarda o direito

De algum antepassado da cor

Brigar sutilmente por respeito

Brigar bravamente por respeito

Brigar por justiça e por respeito (Pode acreditar)

De algum antepassado da cor

Brigar, brigar, brigar, brigar, brigar

Se liga aí

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Na cara dura, só cego que não vê

A carne mais barata do mercado é a carne negra

[...]


Só cego não vê, muitas vezes uma mente colonizada não consegue perceber as traves em sua visão. Foram mais de 300 anos de escravidão, houveram avanços resultados de muita luta e resistência.

Muitas feridas ainda marcam os povos originários e povos afro-diaspóricos, quando o índice de suicídio, depressão e transtornos mentais, álcool e uso de outras drogas são em sua maioria acometidos por esta população, estamos falando de uma ferida que ainda está aberta. Você vê?

em alguns grupos que percorro, sinto que ao falar sobre este assunto, sobre racismo, sobre privilégio branco, sobre feminismo, muitas pessoas não são apenas cegas, elas estão confortáveis em seus lugares e não querem realmente ver, não querem ser antirracistas, feministas, compartilhar uma # no instagram já é o suficiente.

Quando mulheres utilizam seu poder de classe para criar plataformas feministas para atender apenas suas pautas, estão oportunamente enfraquecendo as políticas feministas, ajudando a manter intacto o sistema patriarcal e racista que mata pessoas negras e indígenas todos os dias neste país, elas traem a si, à nós. Todos e todas nós.


Precisamos que juntas e juntos, mulheres de homens de todas as raças e classes sejam feministas, assumam posturas feministas e antirracistas para restaurar condições sociais e humanas necessárias para construir solidariedade, reconstruir à humanidade tão objetificada, transformada em coisa pela violência, pela desigualdade, pelo desamor.


No livro ‘O feminismo é para todo mundo’ de Bell Hooks nos diz que só todos e todas juntos neste movimento de solidariedade é que “então poderemos visualizar melhor um mundo em que recursos são compartilhados e oportunidades para crescimento pessoal são abundantes para todo mundo, independente de classe” (BELL HOOKS, 2019, p.74).


Bell Hooks imagina para todos nós, uma sociedade de igual oportunidade, onde cada história e talento é valorizado, respeitado e tem lugar e importância para o desenvolvimento social, cultural e econômico como um todo.

Se você quer ou sonha, ou já imaginou, viver em um mundo assim, em que culturas e gêneros são respeitados, você teve ou tem um sonho feminista. Se você sente esse amor pelo humano, luta por ser e sentir, a si e ao outro, pelo outro, para o outro, você sente um amor revolucionário.

Se você estudar, trabalhar, educa seus filhos, filhas para respeitar à todos independente de cor e gênero você está sendo feminista.

Faça um teste, coloque duas imagens de duas pessoas na frente de uma criança, uma branca e uma negra, e pergunte à ela: Quem é mais bonito? De quem você gosta mais? Quem é mal? De quem você tem medo? Depois coloque a imagem de um homem branco e uma mulher: faça as perguntas: Quem é mais inteligente? Quem é mais capaz? Coloque depois as imagens de duas mulheres: uma branca e uma negra.

Depois disso reflita sobre o mundo que está ajudando a construir. Mude, faça de seus movimentos, falas, escritas e pautas um movimento de educação para à liberdade, caso contrário estará fazendo mais do mesmo.

Ser quem somos e acreditar neste ideal é ser radical, o movimento feminista é radical, pede uma mudança estrutural na sociedade, onde homens e mulheres sejam respeitados e valorizados igualmente. O movimento feminista luta contra o sexismo, contra o racismo, contra a discriminação de gênero.

O radicalismo que falo à você aqui é tomar uma posição, é ser político de forma crítica, começa por você tomando poder em suas mãos, instrumentalizando-se, aprendendo com o outro, sendo esta mulher que você deseja ou prega em suas palavras, é difícil, este deslocamneto interno é difícil e dolorido, move com suas estruturas emocionais.

Costumo sempre dizer, e em outros textos você verá, acredito que conviver entre mulheres nos dá a oportunidade de aprendermos com suas histórias, encontramos força e coragem, encontramos cura e curamos umas às outras neste cruzamentos de vidas, neste mar interseccinal feminino. Podemos ser muito mais abrindo nossas mentes e alma umas para outras num encontro de pedagogias feministas.

Nesta tempestade de ideias, histórias e lutas criaremos uma onda que moverá toda à estrutura da sociedade, num movimento de igualdade, mas você tem que entender que lutar por si apenas e escolher uma demanda é escolher um lado; seu corpo não é apenas algo ocupando um lugar no espaço, seu corpo fala, envia uma mensagem, é preciso reconhecer o lugar de privilégio que ocupamos.

Eu não digo que quero apenas uma forma de feminismo, não entenda assim, há várias formas, mas estas formas precisam dialogar para que as demandas, todas sejam vistas, revistas, atendidas. Pois cada grupo cultural e social apresentam demandas específicas, mas sem o diálogo, sem uma conexão entre as culturas, as sociedades, as comunidades; tão pouco à sociedade evolui e muda.

Peço que inicialmente você avalie seu ponto de vista de gênero, de raça e classe, avalie sua posição. Você gostaria de ser tratado como uma pessoa negra é tratada neste país? Você gostaria de ser tratado como uma pessoa indígena é tratada neste país? Se não, há algo que é preciso você repensar sobre qual sociedade você está colaborando criar, para seus filhos, filhas, netos, parentes, alunos e alunas.

E agora estamos prontas para continuar à luta, se estamos aqui hoje escrevendo e debatendo tais questões, tendo à liberdade de falar, temos muito à agradecer as que vieram antes de nós e criaram pedagogias e teorias através de suas lutas, dores e partos.

Eu escolho à esperança, escolho o afeto e o amor, escolho à não-violência, escolho as palavras para levar o que acredito à você, o que desejo construir para o mundo, mas eu preciso que você, que todos nós acreditem nisso juntos. Acreditem que é possível uma educação para a liberdade e que lutemos por ela.


hooks, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 6ª edição. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019.





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