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Novos paradigmas para a educação

A "Árvore do conhecimento" se tornou a árvore dos sonhos



Estamos em quarentena em formação através da plataforma digital Moodle, uma formação oferecida pela secretaria de educação do Estado da Bahia, projeto formativo entitulado Plano de Formação Continuada Territorial Makota Valdina, vale apresentarmos quem era esta mulher. Seu nome de batismo era Valdina de Oliveira Pinto, conhecida como Makota Valdina, nascida em Salvador, 15 de outubrode de 1943, faleceu ano passado, em 2019, foi uma Anciã, educadora, líder comunitária e ativista brasileira. Valdina atuou boa parte da sua vida na luta pelo combate a Intolerância religiosa, como porta-voz das religiões de matriz africana, bem como dos direitos das mulheres, do meio ambiente e da população negra. Com a iniciação seu nome religioso passou a ser Makota Zimewaanga.

Iniciei a formação no dia 08 de março de 2020, é um espaço virtual, interativo, traz slides, vídeos, atividades, e fóruns de discussão. No fórum 6. Paradigmas Educacionais, tinha uma sugestão de texto para estudo e compartilhar no fórum, em outro momento a escrita se dedicará as análises das discussões apresentadas, mas neste momento quero compartilhar com vocês minhas construções a partir da indicação de leitura. Foi o texto Procurando outros paradigmas para a Educação, escrito pela educadora Marta Elizabeth Barros de Barros, publicado na revista Educação & Sociedade, em 2000.

O artigo de Marta E.B. de Barros foi inspirado nos trabalhos de Deleuze e Guattari, que faz uma análise das práticas educacionais pautadas no paradigma cientificista, as autoras nos propõe linhas de fuga do comum o tempo todo em suas diversas obras, trazer esse texto de Maria Elizabeth de Barros de Barros, para um espaço formativo de coordenadores é muito potente. Boa escolha, parabéns Cecília.

A autora inicia trazendo uma publicação do jornal Folha de S.Paulo, a notícia informava ao público sobre as pesquisas de um casal de médicos mineiros sobre avaliação e desenvolvimento dos alunos, como podem ser acometidos de vulnerabilidades e carências desde a gestação, tais conclusões foram enviadas ao Ministério da Educação.

Muitas pesquisas neste sentido, cientificando sujeitos - subjetivos, existem, ideias eugênicas que homogenizam pessoas que são diversas, as colocando em lugares iguais de pesamento, fala, ações, e seu futuro. Uma visão determinista que pre-indica que pessoas, sujeitos, não poderão alcançar lugares maiores, lugares de poder, por situações que vivenciaram, indiretamente, desde a gestação, implicitamente nos diz que parte das crianças e jovens brasileiros não alcançarão a cidadania.

Nina Rodrigues e Darwin também propuseram a cientificação a educação, afirmava que pessoas com certas característica, que nasciam e criam em determinadas situações eram acometidos de uma degenerescência física e mental. Percebam as semelhanças. A colonização não passou, não acabou, Paulo Freire nos alertava quando nos dizia que foi fácil sermos independentes de Portugal, mas seriam muito difícil nos libertar totalmente da colonização.

A pedagogia, ou seja, todos os processos educativos são mecanismos de poder, e atualmente são usados para reproduzir e reafirmar o projeto de colonização que foi implantado neste país em 1500. A autora do texto, Barros, nos diz que o artigo de jornal conclui assim: “Afinal, se parte do alunado, por deficiência que vem do ventre materno, não consegue absorver sequer o elementar, mais dificuldades terá com meios tecnológicos mais modernos”, ou seja, esta pessoa, este ser humano, nunca alcançará a cidadania, nunca será incluído totalmente na sociedade, digitalmente, não ocupará altos cargos em uma empresa, não chegará a universidade, o futuro desta criança está determinado, o que ela será então? O que destina a ela?

Quem é a maioria que passa por vulnerabilidades diversas neste país? Onde estão? 

Eles tem região, classe, raça. O artigo não fala de acesso a tecnologias, o artigo denuncia a eugenia, o racismo, a discriminação. O casal de médicos cumpre o papel deles neste projeto colonial excludente e escravo, escravidão de mentes e corpos. Expõe a "ideia de homem" que a educação tem reproduzido nas salas de aulas, ainda estamos calando meninos e meninas no fundo da sala de aula, dizendo para eles todos os dias que nunca serão "alguém na vida",  ou seja, ser gente, ser cidadão neste país. Estamos reproduzindo a ideia de "realização humana", não estamos falando de novas metodologias, estamos discutindo sobre como, finalmente, construir pedagogias libertadoras dentro da escola, que quebre com as correntes que colonizam nossos corpos e nossas mentes. Estamos reproduzindo o discurso de Nina Rodrigues e de Darwin, de seus trabalhos acerca da inferioridade física e mental, principalmente, de negros, pardos, mestiços, indígenas no Brasil, e estas pessoas não são os outros, somos NÓS. Pessoas pobres, sertanejos, que através da educação alcançaram um padrão de vida diferente de seus pais e seus avós.

Quando Marta E. B. de Barros clama por pesquisas em educação sob outro olhar, que venha "considerar as teorias e práticas pedagógicas, colocadas em ação hoje, em seus efeitos de produção de subjetividade", ela não fala de futuro, ela fala de pretagogias e de pedagogias feministas que já estão sendo colocadas em prática, que são exitosas, mesmo que pontuais, há educadores e educadoras fazendo processos educativos libertadores.

Práticas pedagógicas e didáticas que "que incorporam os fatos à própria vida", há poder nas histórias de vida, o ouvir a cada aluno da sala de aula pelo professor, traz o sentido de igual importância de fala para cada aluno, isso mexe com a autoestima, arranca as amarras de suas bocas constantemente caladas, permitindo que contem suas histórias. Bell Hooks nos ensinou isso, e não é futurista, é real, é freiriano, é uma pedagogia nascida aqui em nosso país.

Marta E. B. de Barros, Deleuze e Guattari, Bell Hooks, Freire, pedem de nós professoras e professores um olhar pesquisador, mas que este olhar acompanhe os movimentos dos alunos, dos professores, da comunidade escolar, da cidade, do campo, enfim, do cotidiano em seus diversos espaços. Olhar a nossa volta tornando desconhecido o que era comum, como Marta E. B. de Barros nos diz "Fazer crescer o desconhecimento como parte do conhecer".

Não cabe na educação determinismos, nem em suas pedagogias, nem em outros aspectos do ser humano, ou seja, a educação atravessa o individuo e traz diversas implicações em sua vida de diversas formas, se eu entendo a educação por determinismo cientificistas eu estou determinando a vida de uma pessoa, eu estou afirmando que esta pessoa, este aluno, criança ou adolescente é um produto natural da marcha naturalmente desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade, estou reafirmando os discurso de Nina Rodrigues e de Darwin, eu estou reproduzindo o discurso eugênico e racista implantado e enraizado na sociedade. 

Vocês ainda acreditam que a ciência é neutra? Nesta ideia de neutralidade científica?

Marta E. B. de Barros nos traz Rocha (1993), para corroborar a compreensão de que o projeto da burguesia é o enriquecimento da vida cotidiana por intermédio da cultura especializada, e essa cultura ela se organiza, se curriculariza através da educação. Precisamos superar o paradigma científico e isto acontece quando nós tomamos para si uma consciência de pessoa, do lugar que ocupamos, do coletivo que pertencemos, da sociedade que historicamente temos construído.

Recusar a posição de intelectual nômade que Marta E. B. de Barros coloca é criar diálogos nos espaços educativos, diálogos voltado para uma educação libertadora, é preciso desmascarar a ciência, desmascarar este projeto colonial travestido de "somos todos brasileiros", são máscaras, portanto, não são impossíveis de tirá-las, por meio de uma filosofia da relação, Freire em seu livro pedagogia da pergunta nos apresenta o diálogo, não é uma pedagogia inovadora, uma metodologia futurista surreal, é a voz de cada pessoa sendo considerada, ouvida, tomando posse do lugar de importância que deveria sempre ocupar. São relações, são trocas, a filosofia africana chama de UBUNTU, Paulo Freire chama de "EU SOU PORQUE NÓS SOMOS", somos sujeitos coletivos e portanto mantemos relações e é através dessa filosofia de relações multidiferenciadas que iremos iniciar os processos de ruptura à colonização no chão da escola.

É preciso questionar o projeto eugenista de sociedade que tenta excluir a diversidade, e portanto, negar as politicas educacionais para os diversos povos, negando suas histórias, negando suas vidas, universalizando e homogenizando toda uma sociedade, invisibilizando as questões sociais que são produzidas cotidianamente pelo capital, naturalizando a violência, naturalizando a fome, entre outras.

Quando Marta E. B. de Barros nos diz que é urgente construir "outros planos para o processo educacional, apoiados numa ética em que os saberes são construídos nas práticas", ela nos fala de uma educação construída por meio das análises que surgem nas relações, nas perguntas, no eu, no outro, no somos, no inusitado, no diferente, em novos paradigmas.

O trabalho de Pierre Levy e Michel Authier – As árvores do conhecimento – apresentado no artigo de Marta E. B. de Barros constitui uma dessas tentativas, ela nos diz sobre o assunto que as Árvores do conhecimento "buscam colocar em xeque o totalitarismo e a intolerância à diversidade no âmbito da produção de conhecimentos.  Esse trabalho objetiva, fundamentalmente, a construção de um espaço democrático, no qual se possa responder às exigências contemporâneas do saber, recusando o discurso da competência e da “qualidade total” [...] (Authier e Levy 1993, p. 17)".

Os autores nos trazem a ideia de comunidades de aprendizagens e de conhecimento, a ideia de comunidade vem de comunhão de coisas abstratas, coisas materiais, do que é comum, do que é de todos, o conhecimento e a aprendizagem está em comunhão com todos, o conhecimento e a aprendizagem é a 'coisa' comum, que está sendo construída nas relações, nos diálogos, considerando as diversidades, tendo a inventividade e o pensamento coletivo como sua 'utopia'.

Preciso ratifica que utopia não é sonho, é um objetivo a ser seguido, é algo que está sim, a frente de nós, mas não é algo que escape a nossas mãos, podemos visualizá-la, vislumbrá-la, para nos fazer caminhar e não nos deixar inertes diante do presente e do passado.

"As árvores seriam intercessoras dos indivíduos de uma comunidade. O avanço da informática possibilita a criação de mecanismos que apresentam uma imagem gráfica dos saberes existentes em um determinado momento, num grupo que deles se utiliza. Os sujeitos passam a investir em situações de grupo, saindo do contato um a um (que marca as práticas escolares) e partindo para uma rede de diálogos, como um rizoma, de forma que a alteração em um dos seus pontos modifica todo o restante. Assim, esse método de conhecimento não se baseia em hierarquias, mas em conexões.

“As árvores do conhecimento” constituem-se numa outra forma de gestão dos saberes e de economia do conhecimento. O tédio do ensino tradicional, pautado nas exigências de objetividade, racionalidade e cientificidade, podem se desmanchar nos processos cotidianos coletivizados, buscando construir estratégias e instrumentos que possam ser suportes para mudanças importantes no domínio da educação." (Marta E. Barros de Barros, 2000, p. 06).

Como Bell hooks nos diz, a partir destes fazeres, podemos trazer de novo o entusiamo à sala de aula, ou como Freire diria, a boniteza seria rotina, e não o controle, a descrença, os especialismos. Veríamos a inventividade que poderiam surgir das relações, as escrevivências seriam valoradas e as subjetividades criariam rupturas nas modelizações do capitalismo. Quando Makota Valdina grita "Eu não quero que me tolerem, eu quero que me respeitem o direito de ter minha crença" ela pede que seus saberes, sua história, suas raízes e seu legado sejam parte desse processo democrático de construção de saber que deveria se dá no dia a dia da escola.

"“As árvores do conhecimento” têm como finalidade cartografar os saberes dos diferentes grupos, viabilizando a construção desses saberes e dando lhes visibilidade. Assim procedendo, constroem-se territórios democráticos que refundam as relações sociais, escapando do consumismo tecnológico." (Marta E. Barros de Barros, 2000, p. 06).

É preciso e valioso aprender um com o outro, entender que somos comunidade, que eu sou porque existiu alguém, e existem outros alguém que movem-se junto comigo, na mesma direção ou não, mas que ainda assim, contribuem para o coletivo, construindo possibilidades sem exclusão. A proposta de Authier e Levy baseia-se, assim, em três princípios que, segundo eles, contrapõem-se aos da educação tradicional:

1) Cada um sabe

2) Não se sabe nunca

3) Todo saber está na humanidade


Estes princípios quebram com a ideologia eugênica que apenas parte da população detêm força, capacidade, inteligência para o saber. E que todo saber válido é aquele que é institucionalizado, e ainda que seja voltado para as ciências exatas e da natureza.

As árvores do conhecimento criam uma estrutura imagética de o conhecimento vem com a história, nosso passado, nossas 'raízes', que há saber a minha volta, e cresço e me fortaleço com ele como o tronco de uma árvore, e essencialmente, só 'frutifico', se antes ramifico em galhos, crio conexões, floresço o saber por meio das relações, dos diálogos, externalizo a boniteza do que sou, do que trago e do que o outro traz também, a minha singularidade e a do outro cria árvores/composições de singularidades, atravessada pela diversidade social. As subjetividades não impedem a livre circulação dos saberes, ela dá sentido, propósito, ela dá consistência ao conhecimento, que pela lógica colonizadora, é descontínuo, departamental, em blocos, caixas, gavetas. Formas quadradas, que como diria minha professora Ana Lúcia Gomes da Silva, MPED-UNEB, não permiti "a roda girar". Ela precisa girar para ser democrática, eu lhe pergunto, como construir uma sociedade democrática sem a experiência prática dela em sala de aula, passamos por volta de vinte anos dentro de uma escola e não vamos viver a democracia dentro da sala de aula, na educação básica, acrescente mais anos, quando vamos para as universidade que não conseguiram ainda ser efetivamente democráticas, fazer "a roda girar" e construir novos paradigmas para a educação. 

Os autores Authier e Levy nos alerta que não são árvores iguais, que uma seria um modelo, até porque isso não seria possível, uma comunidade que constroe uma educação para a liberdade, para a democracia, elas não irão se compor igual, somos pessoas, somos subjetivos, somos diversos, e por isso mesmo, faríamos por meio da inventidade e da valorização das nossas singularidades e diversidades, árvores diferentes. Onde possamos fazer das árvores do conhecimento “uma realidade humana e social, reunificar enfim a árvore do conhecimento à arvore da vida” (Authier e Levy 1993, p.168). 

Vejo possibilidades de luta, vejo sim utopia, vejo sonhos, vejo sobretudo amor como prática para a liberdade.

Finalizo meu texto com a frase de Marta E.B. de Barros: "Precisamos ser mais criativos que as máquinas de subjetivação capitalista." (200, p. 11).

Texto: Procurando outros paradigmas para a educação, escrito por Maria Elizabeth Barros de Barros,  docente do Programa de Pós-graduação em Educação e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: deppsi@ndp.ufes.br. Publicado na Revista Educação & Sociedade, ano XXI, no 40 72, Agosto/00.




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