top of page

EDUCAÇÃO REMOTA EM TEMPOS DE PANDEMIA


Aneurin Bevan costumava dizer que a liberdade de escolha era inútil sem o poder da escolha. Este é o poder da aprendizagem personalizada. Não é uma falsa dicotomia entre a escolha e a voz, mas uma aceitação de que, se quisermos realmente revolucionar serviços públicos, em seguida, as pessoas precisam ter ambos. Porque os alunos não são apenas compradores de ensino em um mercado; eles são criadores da sua própria experiência educacional; e sua voz pode ajudar nesta mudança. Ambos como meio de envolver os alunos na sua própria aprendizagem – os coprodutores da educação. E, como meio de desenvolver os seus talentos – usando sua voz para ajudar a criar escolhas. Centre for Educational Research and Innovation (2006, p.x)



A pandemia do corona vírus afetou diversos setores da sociedade incluindo a educação. A saída para controle deste nova doença viral que acometia todo mundo foi o isolamento social, comércios foram fechados, escolas também. Não foi pensado em um plano para a educação de imediato, a educação online passou a ser considerada o centro nas discussões sobre como seria a volta às aulas.

Entretanto para muitos municípios brasileiros a internet e o comumente uso de tecnologias não é uma realidade para alunos e alunas. Sendo a possibilidade mais viável a educação remota sem o uso de tecnologia.

Exemplo disso, na escola que estudei na minha infância, Escola Municipal de Passagem Velha, em Senhor do Bonfim-BA, podemos ver que atualmente professores e professoras criam blocos de atividades e enviam tais tarefas juntamente com o kit de merenda escolar para os pais dos estudantes. Esta é uma alternativa, neste caso, trata-se de uma comunidade na zona rural do sertão norte baiano.

Um povoado pequeno de no máximo trezentas famílias, o uso de internet é limitado. A escola de Passagem Velha atende crianças não apenas do povoado onde se localiza, mas de comunidades circunvizinhas, como Cruzeiro, Cazumba, Lage, Limões e também um bairro recém criado, através do programa Minha Casa Minha vida, considerado urbano, chamado Águas Claras.

A escola não tem sala de informática para os estudantes e não dispõe de internet para estes. Além de em alguns casos a formação digital e tecnológica para domínio de ferramentas digitais para a educação não ser suficiente ou até mesmo inexistente no caso dos professores.

Na Rede Estadual de Educação da Bahia, que atuo como coordenadora pedagógica, não regulamentou as atividades remotas, ficou a critério do professor e da escola realizarem estas atividades.

Na escola em que trabalho, disponibilizamos por um tempo, através do whatsapp, indicações de filmes, podcasts, livros em PDF, roteiros de atividades fornecidos pela secretaria de educação, vídeos motivacionais de uma das professoras do quadro de funcionários da escola. Após alguns meses os alunos começaram a sair dos grupos de whatsapp, eles não respondiam ou comentavam na maioria das vezes que compartilhávamos estes materiais.

Na Bahia as aulas foram suspensas a partir de 17 de março de 2020, tanto na rede pública como privada. A rede privada continuou com atividades remotas com uso de tecnologias, livros didáticos e paradidáticos, roteiros e blocos de atividades, com rotina semanal de atividades para seus estudantes.

O Ministério da Educação vem publicando Portarias desde o dia 18 de março, que vêm sendo constantemente atualizadas para regular as atividades dos cenários escolares da Educação Básica e Superior, a exemplo das Portarias 343, 345, 356 e 473 (BRASIL, 2020), suspendendo as aulas presenciais e indicando em caráter emergencial a Educação remota.

A história da educação em nosso país é de desprestígio e pouco investimento, favorecendo a valorização e fortalecimento do mercado privado de educação. Contudo muitas destas escolas também apresentam dificuldades infraestruturais e na formação docente.

Plataformas síncronas e assíncronas como o Teams (Microsoft), Google Class, Google Meet, Zoom entraram em cena para reuniões de trabalho, aulas de grupos de estudos e pesquisa na universidade, aulas remotas para escolas da rede privada, para formação de professores, entre outras. Plataformas que chegaram a competir de forma acirrada para ver quem conseguia pegar a maior fatia do mercado.

A crise do coronavírus acomete um crise mundial nos diversos setores da sociedade em todo o mundo. Em nosso país, a crise na educação arrasta-se por décadas, tudo o que estamos aprendendo em meio à crise não teremos como voltar atrás, devemos avançar, mas como superar a imensa desigualdade que já feria a sociedade brasileira?

Para Santos (2020, p. 6) quando “a crise se torna permanente, transforma-se em causa que explica todo o resto. Por exemplo, a crise financeira permanente é utilizada para explicar os cortes nas políticas sociais (saúde, educação, previdência social) ou degradação dos salários”.

Sabemos que o crescimento da violência acompanha o crescimento da desigualdade, em uma sociedade que tem 520 de história de colonização, destes anos, 380 foram de uma violenta escravidão; 21 anos de ditatura militar, deste 10 anos de dura repressão, violência e tortura através do Ato Institucional nº 5, conhecido como AI-5; durante 03 anos foram mantidos ativos campos de concentração no Nordeste brasileiro para os chamados “flagelados da seca”.

Uma história sangrenta marca o DNA do nosso povo, na história recente houveram tentativas de reparar com cotas e programas de transferência direta de renda nos últimos vinte anos, políticas recentes que contribuíram para tirar o país da linha de extrema pobreza, que fizeram muitas pessoas de famílias pobres e sem expectativas ingressarem na universidade pública e mudarem suas histórias de vida. Incluindo a minha, que fui a primeira de minha família a cursar na universidade pública.

Para Santos (2020, p. 21)


A quarentena não só torna mais visíveis, como reforça a injustiça, a discriminação, a exclusão social e o sofrimento imerecido que elas provocam. Acontece que tais assimetrias se tornam mais invisíveis em face do pânico que se apodera dos que não estão habituados a ele. (SANTOS, 2020, p. 21).


E agora, ficamos com aquela sensação de retrocesso, de direitos perdidos, de lutas paralisadas; uma democracia e a tentativa de reconstrução de uma sociedade mais justa e uma educação mais afecta tão recentes. O que vem depois do coronavírus? Depois desta estagnação da escola pública da rede estadual de ensino? Do ensino remoto sem uso de tecnologia, na maioria dos casos, realizado na rede municipal? O que é este “novo normal” e o que vem com ele, com este termo que ouvimos nas reuniões entre os profissionais da educação?

Em contraponto a tudo isso, crianças e adolescentes tem dificuldade em criar uma rotina de estudos em casa, os pais ficam angustiados e estressados por não haver, muitas vezes espaço adequado para ensinar seus filhos, isso contando com a realidade de pais ou responsáveis letrados, ou alfabetizados.

A tempos discutíamos que professores/as não são pais e nem tios e tias. Hoje discutimos também que pais não são professores/as. E o que são feitos nesta educação remota?

As estratégias utilizadas nas aulas remotas baseiam-se na correção dos exercícios, utiliza-se a metodologia de Atividades de Comando, em blocos de atividades ou módulos de atividades, que são encaminhados para os pais ou responsáveis por meio de exercícios impressos, podendo utilizar o livro didático como aporte, indicando páginas de leitura. Os professores após período de tempo determinado, recebem de volta estes blocos de atividades e corrigem, reenviando aos pais a contrapartida das correções. Nessa correção os docentes explicam os conceitos apresentados nos exercícios. Como os docentes podem evidenciar a aprendizagem das crianças nesse contexto? Infelizmente, eles não podem!

Segundo Lynn (2020)


O senso comum nos diz que nunca mais seremos os mesmos, o estilo de vida que tínhamos antes da pandemia e chamávamos de normal, não retornará. E o processo de escolarização dos estudantes de distintos níveis será afetado por esse momento de latência e ao retornar, especialmente aqueles que estão com as aulas remotas, precisarão dá conta de conteúdos que não foram aprendidos, gerando mais uma vez, frustração e insatisfação em todos os envolvidos no processo. (LYNN, 2020)


Um festival de incertezas, como nos diz Edgar Morin, será que estamos reproduzindo o que já fazemos em sala de aula? Agora sem a presença do professor para orientar, sem a troca interativa entre pares de alunos para compartilhar suas dúvidas e ideias? Uma transmissão de informações através de bloco de atividades impressas dispostas em rotinas de horários já utilizados como estratégias para dividir disciplinas em blocos de tempo? Pais ou responsáveis angustiados e estressados devido perda de renda, emprego, entre outros motivos, como estar em casa em um período de convivência muito maior que antes?

Nunca houve tantos divórcios como agora, pessoas que convivam juntas, mas não se conheciam devido a uma carga horária intensa de trabalho e outras ocupações. Filhos que não conheciam seus pais, maridos que não conheciam esposas.

A violência doméstica que não é evidenciada, as taxas de adoecimento psíquico emocional que crescem exponencialmente de crianças à idosos, os números crescentes em suicídio, em especial na população jovem negra mais que duplicou nos últimos anos.

Para tanto, em um mundo de desamor, precisamos amar mais, não de forma fantasiosa, romântica e utópica, mas com ação, com práticas que possam trazer a interdisciplinaridade para o centro da discussão nas pautas em educação. Que o combate as injustiças sociais e a desigualdade deverão ser o centro nas pautas políticas a fim de amenizar as perdas atuais neste período de crise.

Desistir nunca foi uma opção, não é. Estamos apontando os erros, as sinuosas estradas que tomamos na tentativa de acertar cruzar a linha de chegada, almejando o sucesso para estudantes, professores/as, toda a comunidade escolar. Toda experiência gera aprendizado, com certeza teremos muitos, e não sairemos os mesmos após esta quarentena. Esperança é algo que nos faz caminhar, seguir em frente, não entregar os pontos diante das crises e perdas. Nos faz sermos criativos para buscarmos saídas melhores. Creiamos...



REFERÊNCIAS


ALVES, Lynn. Educação remota: entre a ilusão e a realidade. Rev. Educação / Interfaces científicas. V.8 • N.3 • 2020 - Fluxo Contínuo. 2020.


SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina, S/A, 2020




ree


 
 
 

Comments


DIÁRIO DE UMA PEDAGOGA

Edicarla Correia de Sá

Pedagoga pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB

Assistente Social pela Universidade Norte do Paraná

Mestra em Educação e Diversidade pela UNEB

Formulário de inscrição

Obrigado(a)

(74)9-9190-7206

 Comunidade de Passagem Velha, Senhor do Bonfim - BA

  • Facebook
  • Instagram

©2019 por DIÁRIO DE BORDO DE UMA PEDAGOGA. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page