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CONTEXTUALIZAÇÃO, FORMAÇÃO E IDENTIDADE DO PEDAGOGO

SARAU LITERÁRIO EM COMEMORAÇÃO AO DIA DO PEDAGOGO - UNIASSELVI



Boa noite, sou Edicarla Correia de Sá, popularmente conhecida apenas como Carla Sá através das mídias sociais, primeiramente agradecer pelo convite da Uniasselvi, segunda vez nesta casa, a convite de Laiane por intermédio da professora Adlândia, cujas quais tenho imensa admiração, respeito e carinho, deixo minha imensa gratidão pelo convite e oportunidade.

Além de parabenizar pelo formato destes encontro, um sarau literário para discutir temas caros para a educação, para nós professores e professoras. Proponho-me hoje aqui com vocês conversar um pouco sobre contextualização da profissão do pedagogo, sua formação e consequentemente, nossa identidade.

Não poderia deixar de iniciar com um poema do nosso grande educador Paulo Freire, o título é Verdades da profissão de professor:


Verdades da Profissão de Professor

Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores.

Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados.

Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho. A data é um convite para que todos, pais, alunos, sociedade, repensemos nossos papéis e nossas atitudes, pois com elas demonstramos o compromisso com a educação que queremos.

Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem “águias” e não apenas “galinhas”. Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.

Podemos tomar esta fala para nós, ao dizer que o professor Paulo Freire fala sobre a data de hoje, o dia de homenagear a nossa profissão, a nós pedagogos e pedagogas, e que fique claro no chamamento evocado por Freire a cada um de nós, que este dia não seja apenas para receber os louros e parabéns do ofício, mas para refletir sobre os caminhos da profissão, de nossa atuação, a construção da nossa identidade profissional?

Pois os desafios diante de cada um de nós são imensos, pesa sobre nós a sobrecarga da responsabilização do fracasso da educação, o peso do desprestígio social,

- Que curso você faz?

-Pedagogia!

- A nossa! Não quis fazer outro curso, ou não teve outra opção?

A paixão pela educação é o que nos motiva, é o que continua a nos impulsionar, poderia chamar também de fé, fé em ter uma profissão que possa nos dar um melhor qualidade de vida, a fé de poder contribuir com uma sociedade mais justa, acreditar que no desenho de cada criança em nossa sala de aula estamos vendo-a registrar para si e para a vida seus sonhos, marcando sua história. A fé em doar, em formar outros professores, em coordenar equipes e ministrar momentos que possam contribuir em reavivar os afetos em todos os seus sentidos, e isso é, creio eu, uma forma de amar.

E assim posso dizer que hoje, é um dia para termos fé, pois em meio à pandemia, aprofundamento da violência em todos os sentidos, um governo que age deforma inescrupulosa, estamos aqui, celebrando a vida, o amor, a fé, e sobretudo, lutando.

Gostaria contextualizar um pouco sobre nossa profissão, a história do curso de Pedagogia no Brasil deixa entrever as inadequações das políticas públicas em relação à formação e o trabalho do pedagogo. Com base em pesquisas de autores, entre eles Silva (1999), Valle (1999), Brzezinski (1996), fica evidenciado que as regulamentações e planos curriculares, para o curso de Pedagogia no Brasil, refletiram e refletem o projeto político-econômico adotado para o país, podemos ver isto atualmente com as novas regulamentações, ontem a UFBA divulgou uma NOTA CRÍTICA SOBRE AS ATUAIS DIRETRIZES PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES(AS) E EM DEFESA DO CURSO DE PEDAGOGIA, poisfica evidente nas atuais Diretrizes Curriculares para formação de professores(as), um retrocesso, “pelo seu anacronismo tecnicista e pela má qualidade do documento que apresenta e explicita essa política”. A Resolução 02/2019 CNE, para vocês pesquisarem e poderem analisar depois, com mais tempo para aprofundamento das diretrizes sobre a profissão e formação de professores.

Essas relações repercutem no trabalho e na identidade profissional do pedagogo, uma vez que as regulamentações e as Diretrizes atendem a interesses e têm em seu bojo valores e pressupostos que transmitem uma visão de mundo, de homem, de sociedade, de conhecimento, de cultura e de poder.

Silva (2002) explica que historicamente a falta de referência à caracterização do “profissional pedagogo” dificultou a construção e a consolidação da identidade do curso de Pedagogia e dos profissionais e, em decorrência surgiram e persistem problemas de inadequações curriculares e conseqüentemente de espaço de trabalho. A estrutura curricular definida para o curso de Pedagogia, em diferentes períodos da história, reflete o pensamento pedagógico e os objetivos educacionais para a população brasileira em consonância com a ideologia política e econômica assumida pelo Estado e pela elite dirigente. Não havia e não há um plano, e sim diretrizes que vão mudando conforme governos e economia.

Silva (1999) ao pesquisar sobre o currículo de pedagogia mostra que a seriação das disciplinas que compunham o curso de bacharel dissociavam dois componentes pedagógicos: o conteúdo e o método, isto é, dissociava a teoria da prática educativa. Disciplinas focadas em metodologias de ensino, porém com pouca carga horária para gestão, coordenação, para a prática e para demais pedagogias.

Seria complexo construir um curso de pedagogia que adentrasse nos diversos ramos de atuação, os campos de atuação enveredam para a área de educação em saúde, financeira, em espaços não escolares a exemplo de associações e secretarias e de temas pós críticos, como a pedagogia feminista.

Porém como seria importante ao menos conhecer para podermos obter a noção deste grande leque que abraça a pedagogia, se pensarmos então que pedagogia é uma ciência que estuda todos os processos de educação, chegamos à conclusão que ela está em todos os lugares, podemos pensar em uma pedagogia da música, a pedagogia do riso, a pedagogia ancestral, pedagogias feministas.

Pedagogia

Pe – das pesquisas em educação;

Da – das formas, curvas, caminhos e encruzilhadas que pessoas possam trilhar, vem me dê também a sua mão;

Go – das a-go-nias de ver nossa profissão desvalorizar, desacreditar, numa sociedade que insiste em desamar;

Gi – girando em cirandas em meio as nossas comunidades posso ver a vida se renovar, em saberes ‘outros’ a me ensinar e a por fim a fé reascender;

E assim...

As – as verdades serão questionadas por estes saberes ‘outros’, que mesmo ocupando lugar de diferença, assume-a como espaço de resistência, e ver em si nascer poder, um capaz de doar para ver também em todos o amor reavivar.

(Carla Sá)


Outra dificuldade que podemos perceber na história do curso de Pedagogia encontra-se na dissociação do ensino com a pesquisa, a teoria com a prática, e o conteúdo com a forma. Essa ruptura ocorreu na distinção do pedagogo bacharel e o licenciado. Algo que estamos tentando vencer aos poucos.

Vejam como estas mudanças implicam lá na ponta, no chão da escola, se retiro a pesquisa da formação de professores, se a coloco como a parte de sua formação e seu fazer, a construção de sua professoralidade se dará também assim, com a dificuldade de notar-se pesquisador em sua sala de aula, e poder utilizar desta ferramenta para acrescer em seu trabalho, seja ele no campo da educação especial, seja na coordenação pedagógica ou na sala de aula.

O trabalho e o legado de Paulo Freire muda o curso da pedagogia, muda a forma de ensinar, de pensar educação como um todo, nos faz questionar a nossa identidade, pois traz para o centro do discurso o amor como prática de liberdade, não o amor romantizado e utópico, mas no sentido real e morfológico da palavra, ou seja, amor é verbo, se verbo é ação e portanto prática, é uma sucessão de afetamentos que radicaliza do meu eu que se dá na contribuição direta e indireta na construção do outro, a frase utilizada por ele em seu livro Pedagogia para a liberdade, “eu sou porque somos”, nasce da filosofia africana ubuntu, Professor Paulo Freire traz novamente para o centro a pesquisa para a formação de professores, para a formação de pedagogos, para a nossa professoralidade.

O professor é necessariamente pesquisador e precisa desenvolver e amadurecer este olhar, para que deixe de uma curiosidade ingênua para adentrar em uma dimensão crítica, e a partir daí neste processo de desenvolvimento do pensamento crítico e descortinamento do olhar, possa possibilitar a descolonização de mentes e corpos do outro, onde eu liberte o meu eu primeiramente e depois assim outros. E isto é empoderamento.

Empoderar é tomar consciência, tomar porque eu busco e muitas vezes é necessária a luta pela conquista e domínio deste saber que empodera a mim primeiramente, e consequentemente, em seguida o outro. Conceito já trazido por Freire e também por Joice Berth, em seu livro empoderamento da coleção Feminismos Plurais, organizado por Djamilla Ribeiro.

Porém hoje, assim como na época em que professor Paulo Freire lecionava, a pedagogia caminhou em direção contrária do projeto de educação pensado por Freire, representante do pensamento pedagógico libertador, ele concebe uma proposta pedagógica completa para que todos nós, crianças, jovens e adultos, pudéssemos nos instrumentalizar com conhecimentos críticos, especialmente a população analfabeta e historicamente oprimida em nosso país.

Propõe uma teoria crítica e a sistematização do método de alfabetização para adultos principalmente, que lhes permitam a conscientização e a superação da condição de manipulados e explorados.

Os princípios do pensamento pedagógico de Freire, a emancipação, libertação, conscientização, humanização e mudança social, são considerados ameaças, tanto para o formato como a sociedade tem sido pensada e construída, um projeto de sociedade que nasce na colonização e vai ganhando novas formas, porém o mesmo em essência, que insiste em reproduzir um modelo político econômico exploratório e corrupto.

Justamente por isso na fase de ditadura o seu pensamento é forçadamente silenciado e obrigado a sair do país devido ameaça de prisão e tortura, sendo anistiado em outros países, europeus e americanos, lecionou em Harvard, morou na França, e viveu bastante tempo no chile, e estudando as formas de vidas camponesas, o levando a aprofundar seu conhecimento sobre as pedagogias que acontecem na vida do campo, das pessoas do campo, e em especial, as pedagogias que já são desenvolvidas com base em saberes e conhecimentos passados de geração em geração, em saberes ancestrais.

Tomo novamente as palavras do mestre emprestadas novamente para dizer:


Acreditamos que a educação sozinha não transforma a sociedade,

Sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressiva,

Se estamos a favor da vida e não da morte,

Da equidade e não da injustiça,

Do direito e não do arbítrio,

Da convivência com o diferente e não de sua negação,

Não temos outro caminho senão viver a nossa opção. Encarná-la, diminuindo, assim, a distância entre o que dizemos e o que fazemos.


Em suas andanças vendo e aprendendo com os homens e mulheres do campo, Paulo Freire nos diz que é na palavra, no trabalho e na ação reflexão que nos construímos humanos e assim humanizamos o mundo. Lutamos para que cada vez mais possamos ressoar uma cultura de amor, pois somente tomando posse dessa opção, amar, optando por justiça social no lugar da exclusão, da violência, da desumanização.


Compreendem por Paulo Freire é combatido? Uma sociedade que nasce no sequestro, abusos, violências de todos os tipos, cresce na escravidão, amadurece na ditadura e no apagamento da ferida dos campos de concentração para os famintos da seca no Nordeste, em meio a golpes e corrupção, pode apoiar um projeto de sociedade que se baseie em justiça social? Apoiar alguém que fale de empoderamento através da consciência crítica, por meio da educação?

A defesa da formação do professor reflexivo e pesquisador, em contraposição ao professor tecnicista, que assume a perspectiva da qualificação da ação docente para atuação crítica e transformadora em contextos complexos da prática educativa, é o intuito deste dia. Reivindica-se que tais práticas ocorram nas universidades, que na qualidade de instituições de ensino, pesquisa e extensão, possam criar a condição e o dever de articular a formação docente com a pesquisa, proporcionando aos estudantes à prática investigativa sobre os processos pedagógicos, resultante da aproximação e vivência com práticas de pesquisa no percurso de formação.

Fiz minha pesquisa de mestrado na comunidade quilombola de Cazumba, comunidade onde mora a professora Adlândia, onde apresento a pedagogia dos lugares de memória, como um museu quilombola dentro de uma prática colaborativa de educação, pois nasce em comunidade, fortalece-se no coletivo, tem por objetivo a perpetuação de saberes ancestrais, memórias coletivas que fazem parte das representações identitárias do povo de Cazumba, o olhar pesquisador, nos traz essa possibilidade, de enxergar as bonitezas, como diz Paulo Freire, os afetos e a sua essência, revela aquilo que é considerado até ordinário para alguns em algo extraordinário.

E é isso que precisamos reascender em nós, o entusiasmo pela educação, a capacidade de enxergar as bonitezas no contexto de cada aluno, cada aluno, dando a devida importância a cada história, cada memória, cada saber. Que neste dia possamos reascender a alegria de se buscar, de tornar-se ser, de entender que “ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria” (Paulo Freire).


Para finalizar trago um poema que escrevi inspirada em um poema de Gilberto Gil, que diz assim:


O poema de Gil, Pela lente do amor, me inspira, penso em algumas palavras

A palavra vem com força narradora

crio frases, versos,

elas escorregam pelos meus dedos e falam de mim para você.

Revalam coisas que às vezes tento esconder,

Mas não consigo controlar.

As deixo vazar.

Por vezes pensei em desistir

Entreguar os pontos, o cansaço me abatia.

Mas me ergui, nunca estava totalmente só.

Batalhas travei, quedas e muralhas encontrei.

A fé nos diz que viver é afligir-se,

mas não perder-se.

é ser derrubado, mas não aniquilado.

Consegue entender?

Que dar a vida pelos seus sonhos não é perdê-la.

É encontrar-se, como que diante de um espelho.

Intercalo com linhas de fuga,

deslocamentos e aproximações encontro no texto.

Vejo poder nas histórias, nas narrativas,

nas vidas...

O poder estar em extrair da vida amor.

Em amar.

Amor é verbo, que sucita de nós ação

e portanto Intervenção.

A escola é lugar de amor por excelência.

Fez nascer sonhos em mim, pode fazer por você também.

Conte-me sua história, senta aqui do meu lado.

Me dê um abraço.

Eu vejo você, escuto com atenção.

E se cair levantaremos juntos, mudaremos estruturas.

Humanizaremos o mundo.

É preciso ter fé, clareza no que se quer.

Não pense que cheguei aqui por mim, apenas.

Foi por você também.

Para que pudesse hoje te olhar e dizer:

Eu acredito em você.

(Carla Sá)


Agradecimentos



Busco estrelas


Uma gratidão invadi meu peito

O sorriso brota no rosto

A fé faz renascer amor em mim.

Vivo na constância de viajar pelas palavras

Meu corpo dança

Meus pés sentem pisar em estrelas

Sigo o rastro de cometas.

Como a flor do mandacaru que brota na madrugada

A lei da surpresa me cria paixões inesperadas.

Mira o céu noturno,

Feche os seus olhos depressa,

faça um pedido, tal como uma prece.

Sinta comigo essa mistura de calor e frio na barriga,

Acredita que tudo pode acontecer

Qualquer um pode ser atingido por um amor

ou uma dor.

Mas é essa fluidez que faz de nossas vidas ser

muito maior que um instante,

menor que uma vida inteira,

E equivalente a poeira de estrelas.

(Carla Sá)



REFERÊNCIAS


BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia e formação de professores. Campinas: Papirus, 1996.

SILVA, Carmem Silvia Bissolli. Curso de Pedagogia no Brasil: História e identidade. Campinas: Autores Associados, 1999.

SUCHODOLSKI, Bogdan. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas. Lisboa: Livros Horizonte, 1972.

VALLE, Bertha de Borja R. A nova LDB e os institutos superiores de educação: Histórias do passado, do presente e do futuro. In: SOUZA, D. B ; CARINO J. (Orgs) Pedagogo ou professor? Rio de Janeiro: Quartet, 1999.






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