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Ações básicas na atenção integral à saúde do adolescente - parte 1 - simbologias do corpo.


“Eu não posso explicar o que é a desconstrução sem recontextualizar as coisas”. Derrida (2004)

Hoje aconteceu a segunda etapa de formação de líderes estudantis da rede pública estadual de ensino, do NTE 25, no Centro Juvenil de Ciência e Cultura, começou as oito horas da manhã e terminou ao meio dia com um bom almoço. O tema foi a saúde mental do adolescente, com foco em cinco eixos temáticos: saúde ambiental, saúde mental, saúde física-corporal, saúde mental relacionada ao uso das tecnologias e saúde alimentar. A metodologia utilizada foi bastante interessante, cada tema foi explorado de forma prática e dinâmica por 30 minutos, transitando por salas temáticas. Assim, divididos em grupos, todos teriam oportunidade de passar pelos vários espaços. A cada sala entrávamos num mundo novo de sentidos e conhecimentos.

Este tema emerge da grande relevância que os novos temos pedem para ele se destacar entre as formações de professores e alunos. Atualmente marcantes transformações fisiológicas, psicológicas e sociais da adolescência modificam o relacionamento do indivíduo consigo mesmo, com a família e o mundo, proporcionando construções identitárias diversas, que solicitam de nós pedagogos, uma atuação para a busca da autonomia destes sujeitos na sociedade. A gestão das emoções para uma saúde mental é um dos nortes condutores atuais de nossas reflexões.

Faz-se necessária as discussões em torno da saúde do adolescente, em especial sua saúde mental que compreende, como vimos hoje, diversas dimensões, que objetivam a formação de hábitos e estilos de vida saudáveis, levando em consideração a vulnerabilidade deste grupo específico, relacionadas às questões sócio-econômicas, às desigualdades de gênero, aos aspectos de raça/etnia e, aos diferentes tipos de preconceitos que determinam a necessidade de uma atenção específica a este segmento populacional.

O primeiro tema foi sobre a saúde física - recebidos pela mediadora da temática pelos conceitos de saúde física enquanto simbologia do corpo. Ao ver o tema, em uma das placas dispostas pela sala, pensei nas performances dos corpos-sujeitos diversos, nos sentidos que aprendi nas leituras sobre os estudos de Butler, nas performances de gênero, durante meu mestrado em Educação e Dviersidade na Universidade do Estado da Bahia.

Ao passo que a mediadora tentava incentivar o pensar e a fala dos adolescentes sobre a simbologia do corpo, minha mente se voltava ao meu processo formativo sobre o tema gênero e performance. A palavra performance é destes significantes que, ao longo do tempo, foram adquirindo uma grande polissemia que hoje se torna difícil usá-la sem uma explicação prévia do que se pretende dizer. Para tanto, tendo o cuidado para não cair numa verdade fechada, até por que não seria possível, gênero é como nossa identidade, nosso eu, mais pessoal e íntimo que você possa imaginar, e se você acredita que nossa identidade se molda ao longo do nosso crescimento, como sendo "uma metamorfose ambulante", então ficará fácil para entender o gênero, pois assim também o é. Gênero portanto, funciona como o sentido, a essência e a nossa substância.

Já performance tem como origem latina a palavra formare, que chega até nós como “formar, dar forma a, criar”. Por sua ligação com criar, seu uso no campo das artes é bastante amplo. E como ligar estes dois conceitos (gênero-performance)? Parece meio complicado, mas vamos tentar refletir sobre...

Butler, grande estudiosa do tema, vai pensar o gênero como performance, mas um tipo de performance que pode se dar em qualquer corpo, portanto desconectado da ideia de que a cada corpo corresponderia somente um gênero. Butler propõe repensar o corpo não mais como um dado natural, mas como uma “superfície politicamente regulada”.

Tomando a mim, como exemplo, sou uma mulher, pedagoga, sertaneja, nordestina, de origem rural, trago comigo valores de histórias particulares e coletivas, que moldam o meu gênero e a performance que construo a cada dia, em cada lugar que ocupo, a cada aprendizado que adquiro e também pelas pessoas que me rodeiam.

"O gênero é uma identidade tenuemente constituída no tempo, instituído num espaço externo por meio de uma repetição estilizada de atos. O efeito do gênero se produz pela estilização do corpo e deve ser entendido, consequentemente, como a forma corriqueira pela qual os gestos, movimentos e estilos corporais de vários tipos constituem a ilusão de um eu permanentemente marcado pelo gênero" (Butler, 2003). Butler nos conduz a entender este corpo como um campo complexo e diverso, um mundo que se molda em várias perspectivas.

A mediadora da formação de líderes estudantis, utilizou a expressão "a simbologia do corpo é a alma", ficou claro para mim a mensagem, o corpo como algo tão profundo e difícil de ser entendido, até pelo eu que o ocupa, por ser este conjunto de tempo, um eu particular, um eu coletivo, gestos, estilos, culturas, um meio que o influência, uma ideologia que o dociliza ou o força a revelar-se e rebelar-se, apesar de sua discussão ficar emperrada apenas numa única expressão, e entendo que adentrar e aprofundar esta discussão nestes dias atuais se torna um campo conflituoso, um desafio, entretanto a semente foi plantada nos atentos.

Na minha infância o corpo era um segredo, não podia ser falado, questionado, aprendido, muito menos explorado ou refletido sobre ele. A saúde física então era algo restrito apenas em recomendações sobre manter a postura corporal para evitar dores futuras na coluna. E se esse segredo fosse revelado, não como algo natural, mas um ser forçado sobre um outro, isto também seria um segredo.

Tive uma amiga que sofria constantes abusos sexuais por seu próprio pai, nos nossos momentos do brincar, em especial lembro o brincar de escolinha, ela falava do que acontecia, onde, quando e das ameaças que sofria se revelasse para sua mãe, ou a um adulto, nós todas éramos crianças entre oito e doze anos de idade, sentíamos medo, sabíamos que era errado, mas não sabíamos como reagir. Parecia que as ameças que a acometia também nos alcançava e ficávamos anestesiadas pelo medo.

O medo foi um elemento crucial para ressignificar minhas memórias, apagá-las e dar a elas outros sentidos de verdade, que foram se revelando recentemente, surgindo como uma névoa sobre mim, me desestabilizou, ainda estou na corda bamba da gestão das emoções, algumas vezes cheguei a balançar, mas se estou aqui, utilizando a escrita como forma de cura, é porque resisto e sigo.

Interessante o o brincar de escolinha se manifestava na reprodução deste lugar seguro para revelar o que acontecia com nossos pequenos corpos.

Tornei-me a mulher que sou pelos sentidos, significados, performances de gênero, que fui construindo ao longo tempo, dos espaços que perpassei, dos sujeitos que afetei e daqueles que me afetaram, Beauvoir diz claramente que a gente ‘se torna’ mulher, exatamente assim, cresci e fui formando a mulher que sou hoje, e com certeza, irei performatizar meu gênero ainda mais vezes, aprender novos jeitos de ser mulher, ser uma metamorfose, como diz Raul Seixas, sob uma compulsão cultural que me empurra para refazer quase que diário. E tal compulsão não vem do ‘sexo’, este é apenas um detalhe físico, característico, de meu corpo. Mas sim do gênero.

Ricas foram as discussões e as atividades práticas sobre a compreensão da saúde física do corpo, dos corpos, em especial do corpo adolescente, requer olhar especial, atentar para as energias que absorvemos e transmitimos, a atenção que damos as pessoas e coisas ao nosso redor, e o respeito e os sentidos de verdade que damos a elas.

Realmente, as simbologias do corpo é a alma. Um vasto campo que emergem sentidos, significados, gêneros e afetos.






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