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A ESSENCIALIDADE NO CURRÍCULO ESCOLAR E A SOBREGARCA DA ESCOLA


Imagem disponível em: https://www.google.com/search?q=sobrecarga+da+escola&sxsrf=ALiCzsaGMH2DZsJ3OSwZRuoiJyB5AGwI8Q:1666622262402&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwiXgrPfi_n6AhUNuJUCHdKfCXcQ_AUoA3oECAIQBQ&biw=1536&bih=758&dpr=1.25#imgrc=04ixvic3KNhs2M&imgdii=wZdaWLh8hYGnMM

Como pedagoga, em minha formação inicial cursei o componente curricular chamado Educação Inclusiva, no 4º semestre, com duração de 45 horas; e, Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, no 5º semestre, com 60 horas de carga horária formativa. Ao chegar na coordenação pedagógica em uma escola de educação especial da rede estadual de ensino me vejo diante de novos aprendizados, como quando entrei nas atividades referentes a coordenação no ensino médio, uma outra realidade que exigiu de mim novas posturas, do falar com o aluno às práticas cotidianas da formação de professores. A carga horária de estudos não foi suficiente para atender os conhecimentos que exigem de mim atualmente, a formação deve ser continuada e aprofundada ao longo do tempo. Bem como o olhar sensível para as mudanças de cultura em cada contexto.

Cada escola tem sua realidade, é um mundo diferente do outro, mesmo sendo ‘escola’, com professores, rotina... Cada uma dentro de seus muros é apresenta uma outra cultura. Em uma escola quilombola de Educação Infantil no recôncavo baiano eu tinha uma postura, mesmo sendo ainda a modalidade que mais exigiu de mim fisicamente, intelectualmente e emocionalmente, foi a que mais me tocou quanto o afeto singelo das crianças, conseguir observar e acompanhar o desenvolvimento de cada uma diariamente é algo extraordinário e realmente especial. A relação com as famílias e com a comunidade é algo muito mais próximo, lembro que um dia em uma atividade de campo com as crianças, um senhor sentado na porta de sua casa me cumprimentou e perguntou-me: “são seus filhos pró?”, respondi com um sorriso que sim. Ao cair, uma criança consola-se no colo de sua mãe em casa e da sua professora na escola, somos uma forte referência na vida destes/as pequenos/as que estão se formando.

Em um outro dia, os/as alunos/as estavam agitados, já era maio de 2018, quase na metade do ano, e um dos alunos arranhou-se no rosto no meio daquela correria, eu falei mais séria, pedi que todos se sentassem (eles nunca tinham me visto tão séria!), expliquei que a sala era muito pequena, não podia correr dentro da sala de aula pois um amigo poderia se machucar, como realmente aconteceu. E uma das alunas se levantou e me questionou: “Você reclamou com a gente minha pró?”, eu respondi que sim, e expliquei novamente o motivo, e ela argumentou: “mas nós somos só crianças!”, na hora tive que me segurar a alegre surpresa pelo belo argumento, a forma como se posicionou, imaginei logo uma advogada, promotora, juíza, fiquei muito orgulhosa, mas tive que continuar séria e explicar o porque não podíamos correr pela sala, era muito pequena, mal tinha espaço para circular dentro dela, o momento para o elogio sobre sua postura e seu argumento ficou para o final da aula.

Depois contei o fato toda cheia de orgulho para todas as colegas professoras e na reunião de pais/responsáveis. Os rostos dos pequenos ainda estão na minha memória, suas personalidades, jeitos, o carinho deles e dos pais, dia das mães também ganhava presentes, gesto simbólico que para mim, era maior do que qualquer reconhecimento profissional e confirmava a relação de confiança que conseguimos construir.

No ensino médio percebi o quanto meu jeito de falar estava infantilizado, com adolescentes você tem que ter uma outra postura, com os professores, mais distantes e introspectivos. Fui muito bem acolhida por todos/as. E mesmo a linguagem e a cultura sendo únicas, diferentes da educação infantil, ou da educação especial, realidade que me encontro atualmente, algo continuou a exigir de mim ainda, esta postura aberta a afetividade, os alunos/as precisavam ser ouvidos, acolhidos, precisavam ouvir também alguém dizer o quanto acreditavam neles, que os amava, e que eles são especiais. Afeto é algo que independe de modalidade, é algo que atravessa todas as relações em todas as suas fases.

Depois da pandemia as crises de ansiedade e os números de alunos que me procuravam para chorar, contar suas histórias de vida, e serem acolhidos, aumentou significativamente, semanalmente atendíamos um quantitativo de 3 a 5 alunos/as.

Nas formações com professores, as formações leitoras iniciais que introduziam os momentos formativos eram textos ligados as questões sócio emocionais, para acolher também os professores, estavam todos muito mais sensíveis e sobrecarregados.

Com as mudanças curriculares a escola está sobrecarregada, são cursos diferentes, aumento do número de disciplinas, abordagem social, cultural, artística e esportiva. A sobrecarga da escola a aproximou da pedagogia de projetos, estreitou os laços com as ciências, a pesquisa e a extensão, os/as alunos/as tem acesso à conteúdos no ensino médio que eu mesma vi apenas na faculdade.

A escola, repito, está sobrecarregada, pois o aumento de conteúdos e conhecimentos diversificados não acompanhou o aumento da carga horária escolar, tantos conteúdos são para uma escola que funcione em tempo integral. Em apenas um turno da escola que se inicia, por exemplo, às 07:15 da manhã e termina às 11:45 não são suficientes para tanto, observem a matriz curricular do novo ensino médio:


Matriz curricular do novo ensino médio - base comum



Matriz curricular do novo ensino médio - base diversificada

Estamos em tempos de currículo essencial, justifica-se as escolhas de professores e professoras sobre a construção limitada das ementas de seus cursos devido a grande vastidão de conhecimentos que foram construídos pela sociedade ao longo dos tempos, por isso temos que escolher o que é essencial para compor os planos de curso de cada componente curricular.

Não foi apenas a pandemia que nos fez atuar sob as formas de um currículo essencial, nós apenas percebemos e o enxergamos após o contexto pandêmico. Não foi a recomposição das aprendizagens “perdidas” devido a quarentena que nos fez “enxugar” o currículo da escola, não foi também “a grande quantidade de conhecimento” que a sociedade gerou ao longo de sua história. Sabemos que a complexidade, profundidade e riqueza de conhecimentos produzidos é inegável, mas a sobrecarga da escola tem raízes mais profundas e conseguimos enxergá-las com mais clareza pós pandemia.

Durante um ano escolar temos que executar diversos projetos que estão sob responsabilidade da escola: educação em saúde, jogos escolares, feiras de diversas linguagens (ciências, artes, literatura, entre outros movimentos). Temos que lidar com as questões sociais, sócio emocionais, conhecimentos referentes a empreendedorismo, construir pesquisa e extensão aliadas ao ensino e aprendizagem...

Entretanto, o número de estudantes no ensino médio em defasagem aumentou drasticamente, e não é a idade-série, e sim a série-nível de desenvolvimento de aprendizagem, exemplos reais do dia a dia do ensino médio: alunos/as que não sabem as quatro operações matemáticas, que não sabem escrever com letra cursiva, que não sabem ler ou escrever...

Uma grande quantidade que assusta e angustia os/as professores/as que ficam sentindo-se de mãos atadas ou entre “a cruz e a espada”, entre alfabetizar ou executar seu plano de curso. E entre “a cruz e a espada” ainda temos os projetos que devem ser executados, que dar uma real sensação de “parar a ‘escola’ para executar projetos”, em relatos que já ouvi de diversos professores/as.

Pinceladas de conhecimento, provas e mais provas diagnósticas para preparar os/as estudantes para a realização dos exames de escala nacional: ENEM, SAEB...

E se a política de saúde junto a escola estivesse a frente da educação em saúde, se houvesse uma programação em que estudantes no turno oposto, a cada unidade letiva, semestralmente, por exemplo, pudesse participar de eventos formativos sobre a saúde do/a adolescente? Se a secretaria de esporte e lazer também tivesse uma programação dedicada para fortalecer e contribuir para que no turno oposto estudantes pudessem participar de práticas esportivas? Se as políticas de cultura e de assistência social também pudessem estar mais próximas a escola para ajudar a coordenar estes projetos artísticos e de conteúdo social que são igualmente importantes?

Todas as políticas públicas são importantes, um caleidoscópio de temas e causas que hoje são de responsabilidade da escola, para construir, gerenciar, coordenar e executar em um espaço de tempo de 4 horas diárias.

Talvez aí entendamos o porque do aumento do analfabetismo tão bem maquiado das escolas, estudantes que passam ano após ano, de série em série, até concluírem o ensino médio.

Este texto pretende defender a escola, um pedido de colaboração ou trabalho conjunto entre as políticas públicas setoriais, de forma mais coesa e que possa reverbera em ações continuadas na escola para toda a comunidade escolar, que práticas formativas e educativas sob diversos olhares e contextos possam ser agregados ao currículo e assim possamos construir uma educação realmente integral, vendo o/a aluno/a em sua integralidade, caso contrário, aquilo que é de responsabilidade da escola, a alfabetização e a perpetuação e criticização dos conhecimentos produzidos pelas sociedade ao longo dos anos irá se perder em meio a uma essencialidade curricular traduzida em uma sobrecarga da escola.







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